Filme do Dia: Beija-me, Idiota (1964), Billy Wilder

 


Beija-me, Idiota (Kiss Me, Stupid, EUA, 1964). Direção: Billy Wilder. Rot. Adaptado: Billy Wilder & L.A. Diamond, a partir da peça de Anna Bonacci. Fotografia: Joseph LaShelle. Música: André Previn. Montagem: Daniel Mandell. Dir. de arte: Alexandre Trauner & Robert Luthardt. Cenografia: Edward G. Boyle. Figurinos: Irene Caine. Com: Ray Walston, Dean Martin, Kim Novak,  Felicia Farr, Cliff Osmond, Barbara Pepper, Skip Ward, Doro Merande.

A inusitada dupla de compositores formada pelo frentista Barney (Osmond) e o professor de piano completamente enciumado da esposa Orville (Walston), acreditam que a sorte sorriu para eles quando ninguém menos que o astro do entretenimento Dino (Martin), necessita passar a noite na pacata cidade de Climax, Nevada, por conta de um problema no carro, providencialmente feito por Barney. Barney convence Orville de brigar com a esposa, Zelda (Farr), para  o irrequieto Dino continuar  a permanecer na residência de Orville e se interessar por uma ou mais das canções da dupla. Para tanto, fazem uso de isca da prostituta Polly (Novak), que se faz passar como mulher de Orville. Enquanto isso Zelda, cansada do falatório interminável da mãe, desiste de permanecer em casa e decide voltar para casa. Ela flagra, ao lado de Barney, a festa que Orville efetua em sua casa, dançando alegremente ao lado de Polly e parte para o bar em que Polly trabalha, embriagando-se.  Orville, numa crise de ciúme, expulsa Dino de sua casa, quando esse já se encontrava quase as vias de fato com Polly. Zelda, por sua vez, demasiado embriagada, é levada para se deitar no trailer que é moradia de Polly, sendo visitada por ninguém menos que Dino. Enquanto Orville decide dormir com Polly, Zelda passa a noite com Dino, que a recompensa com uma pequena fortuna. Polly flagra Zelda em seu trailer. Essa deixa o dinheiro que Dino lhe deixara com Polly. Zelda não decide retornar para casa e quando Barney avisa que ela quer que eles se encontrem com ela e o seu advogado para o divórcio, observam a apresentação de Dino na TV cantando uma das canções da dupla, Sophia, enquanto Polly compra um carro e decide finalmente partir da cidade com seu trailer.

Embora essa comédia de Wilder pareça ir além na ousadia de sua referência ao swing ou sexo extra-marital que filmes posteriores como Quem Tem Medo de V. Woolf? (1966), de Nichols ou Bob&Carol&Ted&Alice (1969), de Mazursky, algo ainda mais acentuado pela saborosa troca de papéis entre esposa e prostituta, falta carnalidade e sobra romantismo asséptico nessa troca que, evidentemente, apenas reforça lugares comuns  do casamento, do marido e da mulher exemplares e do habitual sexismo e cinismo de Wilder, assim como mesmo de certo passadismo – não seria nada incorreto observar a forma como o filme explora o corpo de Novak no de Monroe, para quem o papel havia sido originalmente escrito, ou pensar Orville encarnado por Tom Ewell, mesma dupla que o realizador dirigira em O Pecado Mora ao Lado quase uma década antes. Se é verdade que a mulher aqui deixa de ser a mera impregnação corpórea de uma fantasia masculina como em seu filme anterior, o caráter de Orville e Polly é demonstrado pela falta de apego, em última instância, ao passaporte para o sucesso e um polpudo cachê respectivamente, demonstrando que Polly se encontrava mais feliz na breve representação como esposa, enquanto Orville se mantendo tão dominador e ciumento quanto com sua mulher real, sobrando a esbórnia apenas para o mundo do espetáculo, na figura de um alter-ego que não faz a menor ocultação de ser o próprio Martin, seja quando faz pouco dos Beatles ou quando faz referência ao sequestro do filho de seu amigo próximo Sinatra e também Las Vegas, de onde parte. Por seu “bom coração”, Orville e Polly serão recompensados, cada qual a seu modo, ao final, em uma visão açucarada em demasiado de mundos tão competitivos quanto o da prostituição e o do entretenimento, mesmo em se tratando de uma comédia. Wilder parece sentir um prazer quase perverso em transformar Novak, a mulher praticamente inatingível dos sonhos de James Stewart em Um Corpo Que Cai (1958), de Hitchcock, na vulgar prostituta a se rebolar enquanto atende seus clientes, mesmo que por um período relativamente breve, antes de incorporar a figura da esposa – e a vista grossa ou ingenuidade demasiada do marido é outra travessura empreendida por Wilder e seu colaborador Diamond efetua com os modos provincianos americanos, tornando-se Orville o antípoda de si mesmo, ao menos até certo momento! Baseado em uma peça italiana que já havia sido levada as telas por Mario Camerini como Esposa por um Dia (1952), com Gino Cervi e Gina Lollobrigida. The Mirisch Corp. para Lopert Pictures Corp. 125 minutos.

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