Filme do Dia: A Mulher da Areia (1964), Hiroshi Teshigahara
A Mulher da Areia (Suna no Oona, Japão, 1964). Direção:
Hiroshi Teshigahara. Rot. Adaptado: Kôkô Abe & Eiko Yoshida, a partir do
romance de Abe. Fotografia: Hiroshi Segawa. Música: Tôru Takemitsu. Montagem:
Fusako Shuzui. Dir. de arte: Tôtetsu Hirakawa & Masao Yamazaki. Com: Eiji
Okada, Kyôko Kishida, Hiroko Itô, Kôji Mitsui, Sen Yano, Ginzô Sekiguchi.
Niki, um entomólogo (Okada) de férias
se torna prisioneiro de uma comunidade que vive nas dunas, passando a dividir a
cabana com uma mulher (Kishida), que vivia sozinha. Inconformado com a vida
insalubre que leva, Niki tenta fugir várias vezes, sempre em vão. Na única
tentativa relativamente bem sucedida, amordaça a mulher após ter passado vários
dias fingindo conformismo com a situação e faz uso do equipamento dela para
conseguir fugir da depressão no meio da duna em que vivem. Porém logo sua fuga
é sentida pela comunidade e ele fica preso em areia movediça, sendo salvo pela
comunidade e voltando a mesma situação anterior. Algum tempo depois, enquanto
Niki descobre uma fonte de água que brota da areia, a mulher se torna grávida e
é socorrida pelos moradores locais. Niki possui a chance de ir embora, mas decide
permanecer.
Embora teça situações que possam ser
lidas como alegóricas, Teshigahara felizmente não cede às facilidades das
abstrações universais pretensamente elevadas, e mantem-se basicamente realista.
Se existe algo a se elogiar nessa produção, para além da própria beleza
relativamente discreta de sua elaboração visual, é a forma igualmente moderna
em que retrata a relação do casal, efetuando uma releitura eficiente do que
seria o canônico casal em que a união forçada de uma mulher a um homem finda
por se tornar aceita (Os Filhos de Ingmar, Stromboli, dentre
inúmeros), acentuando o auto-sacrifício por parte da figura da mulher. Aqui, ao
contrário, é o homem que é subjugado por uma mulher que já convive com a rude
vida bem antes dele e que demonstra maior instabilidade e fraqueza, por mais
que por imposição de uma mulher que necessita de um homem, não apenas por que
se encontra solitária, mas igualmente para receber as rações da comunidade. O
erotismo é um elemento que Teshigahara, como outros cineastas nipônicos contemporâneos,
explora com vanguardismo, ao apresentar a mulher a dormir nua – depois sabemos
que é por conta da roupa provocar feridas no corpo no atrito com a areia – e,
inclusive, apresentar uma cena de nudez masculina mais generosa, no momento em
que a mulher banha Niki, por mais que a figura feminina seja construída mais
como arquétipo ao ponto de sequer necessitar de um nome. E, talvez no momento
mais erótico do filme, a primeira relação entre o casal, que ocorre em meio ao
caos da falta de alimentos e da subjugação do espaço, assim como dos corpos de
ambos, pela areia. A determinado momento, o mais próximo de ser um duplo do
próprio espetáculo cinematográfico, o grupo de aldeões demonstra alegria sádica
em observar uma tentativa de estupro da mulher por Niki, impulsionada por eles
próprios e com direitos a refletores improvisados pelo público – ainda que um
dos que assiste ao indigno espetáculo demonstre mais preocupação que prazer no
que assiste. Teshigahara retornará a obra de Abe em O Rosto da Maldade, assim como dois anos antes desse já havia feito
uso de um conto seu em Otoshiana.
Prêmio do Júrio no Festival de Cannes. Toho Film-Teshigahara Prod. 123 minutos.
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