Filme do Dia: ...E O Vento Levou (1939), Victor Fleming
....E O Vento Levou (Gone with the Wind, EUA, 1939). Direção: Victor Fleming. Rot. Adaptado: Sidney Howard, a partir do romance homônimo de Margaret Mitchell. Fotografia: Ernest Haller. Música: Max Steiner. Montagem: Hal C.Kern. Dir. de arte: William Cameron Menzies & Lyle R. Wheeler. Cenografia: Howard Bristol. Figurinos: Walter Plunkett. Com: Vivien Leigh, Clark Gable, Olivia de Havilland, Leslie Howard, Hattie McDaniell, Thomas Mitchell, Barbara O’Neil, Butterfly McQueen, Ona Munson, Harry Davenport, Jane Darwell, Everett Brown, Carroll Nye, Cammie King Conlon.
A impetuosa Scarlett O’Hara (Leigh) é uma moça mimada pela família da aristocracia algodoeira sulista e cortejada pelos homens. Ela, porém, só tem olhos para Ashley (Howard) que, no entanto, casa-se com Melanie (De Havilland). O mundo que Scarlett conheceu desmorona com a deflagração da Guerra Civil. Indo trabalhar em um hospital em Atlanta, ela é fundamental para o nascimento do filho de Melanie, forçando o mal afamado Rhett Butler (Gable) a enfrentar toda a situação caótica de uma Atlanta incendiada a voltar com ela até a fazenda dos pais, Tara, onde encontra a mãe morta e o pai algo enlouquecido, sendo que apenas dois empregados permaneceram, um deles Mommy (McDaniel). Scarlett se desespera com o imposto de 300 dólares que os Yankees cobram sobre Tara e no mesmo dia que um cobrador chega a decadente mansão, Scarlett os expulsa e o pai, inconformado, cavalga gritando impropérios contra eles até ser vítima de uma queda fatal. Scarlett tenta conseguir o dinheiro com Rhett Butler, que se encontra preso então e afirma que seu dinheiro se encontra distante de Atlanta. Scarlett casa-se por conveniência então com aquele que era prometido de sua irmã, Frank Kennedy (Nye), e salda a dívida. Kennedy é morto em um atentado político do qual Ashley sai levemente ferido. Quando ainda prepara os funerais de seu marido falecido, Scarlett é pedida em casamento por Rhett Butler. Com o dinheiro de Butler, Tara vive um novo período de riqueza. Porém a relação entre Scarlett e Rhett nunca é completamente destituída de tensão. O que somente piora quando Rhett observa um retrato caído de Ashley no quarto de Scarlett, ou os dois são flagrados em atitude suspeita por um grupo de velhas fofoqueiras. E nem mesmo a morte da filha de ambos, Bonnie (Conlon) ou os preceitos de Melanie pouco antes de morrer conseguem manter unido o casal. Scarlett tenta desesperadamente fazer com que Rhett continue casado com ela, afirmando que agora compreendera que nunca fora apaixonada por Ashley, mas esse decide partir para Charleston.
Talvez nenhum outro filme traduza melhor o espetáculo hollywoodiano clássico em sua elevada potência que essa produção, grandiloquente e extravagante em todos os sentidos, de sua extensa metragem aos cuidados com os valores de produção de um filme de época, passando por sua paleta de cores igualmente carregada como também o é a sua trilha sonora, assim como a quantidade de extras que configuram as cenas de multidão e ainda as suas pausas que demarcam as mudanças em sua narrativa, tudo na acepção do que seu produtor, David Selznick, creditava que um cinema respeitável deveria apresentar. O resultado não pode deixar de levar em conta na sua fatura a compreensão que nem todo o dinheiro do mundo e cenários grandiloquentes, como o de Atlanta em chamas, correspondem necessariamente a criação de um senso atmosférico – produções infinitamente mais modestas como as de Val Lewton ou alguns filmes góticos igualmente da década seguinte conseguiram-no com muita maior agudeza – e podem mesmo soar um tanto artificiosos. Tampouco o paternalismo em relação aos empregados negros é tão distinto assim daquele que havia povoado o imaginário dos filmes de Griffith, com exceção do relativo maior destaque de um ou outro personagem. Vinculado a isso, observa-se o mundo que antecede a guerra civil como em plena harmonia e naturalidade, não havendo conflitos internos na sociedade escravocrata. E, em termos formais, usa-se maciçamente legendas que tanto sinalizam para a pretensão épica buscada quanto igualmente para um modo de narrar um tanto antiquado para os padrões do que viria logo a seguir, como o cinema noir ou uma narrativa de época de Welles (Soberba). As cenas coletivas, como a do baile em Tara ou o célebre plano que apresenta a quantidade surpreendente de feridos de guerra quando Scarlett busca o médico na iminência do parto de Melanie mesmo impactantes e, no caso da primeira, um prazer para os olhos, também sugerem certa vacuidade de propósitos que fará escola, mesmo entre um cinema de pretensões mais marcadamente reflexivas como é o caso de Visconti (O Leopardo). E quando ocorre uma conjugação de “elementos expressivos” (movimento arrebatado de câmera, cores contrastadamente fortes, ventania, silhueta recortada ao fundo e trilha sonora em seu pique) como é o caso de Scarlett e o pai ao lado de uma frondosa árvore com Tara ao fundo, essa que é uma das imagens icônicas do filme, é igualmente um testemunho de sua excessiva redundância dramática ou mesmo do potencial kitsch da empreitada. Dos três núcleos narrativos que o filme o estrutura o terceiro, de longe o mais melodramático, torna-se o mais precário, com vários eventos ocorrendo um atrás do outro de forma quase mecânica e comprimida, sobretudo ao final. E quanto a esse, ao mesmo tempo que recusa o tradicional happy end pode igualmente ser observado como um justiçamento para o egoísmo feminino de sua protagonista que, de forma ainda mais patética, automaticamente se volta mais uma vez para Tara e, pouco antes disso, finalmente se converte na mulher que corre desesperada atrás de seu homem. Dito isso, não há como deixar de lado várias qualidades na produção que transcendem a eficácia técnica de seu trabalho de câmera, assim como a sua meticulosa direção de arte, como é o caso das interpretações mais que afinadas, para o seu propósito, de praticamente todo o seu gigantesco elenco, assim como a presença de uma protagonista feminina longe de meramente passiva, romântica ou ingênua – papel esse delegado, de forma algo subliminarmente irônica à Melanie de de Havilland – que não se escusa em matar um soldado desertor yankee que invade sua residência ou casar por mero oportunismo com seus dois primeiros maridos, além de afirmar literalmente ser nada mais importante no mundo que o dinheiro. E Vivien Leigh, uma atriz britânica virtualmente desconhecida a encarna-la foi igualmente fundamental para seu sucesso, que não se torna assim impregnado de nenhuma estrela hollywoodiana de persona cinematográfica já consolidada. E o comentário cínico de Butler que afirma a prostituta maior honestidade que a esposa burguesa, mesmo que pelo viés grandemente misógino, não deixa de acenar, sobretudo para uma possibilidade de leitura divertidamente crítica do casamento burguês, sobretudo aos olhos de um espectador pós-godardiano (notadamente Duas ou Três Coisas Que Eu Sei Dela). A caracterização de Tara demarca bem três períodos distintos: a bonança relativamente discreta da aristocracia rural pré-Guerra da Secessão, a penúria vivenciada ao final dessa e após e a decoração “nova rica” beirando ao mau gosto que se dá após a união de Scarlett com Butler, que já não possui mais aderência direta com o modo de vida da típica propriedade latifundiária escravocrata como dantes. Teve participação não creditada de vários diretores, mais notadamente George Cukor. Selznick Int. Pictures/MGM para MGM. 238 minutos.
Postada originalmente em 20/04/2018
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