O Dicionário Biográfico de Cinema#227: Sir Noël Coward



 Sir Noël Coward (1899-1973), n. Teddington, Inglaterra

Houve uma época,  mais ou menos por volta dos últimos quinze anos de sua vida, quando você poderia acreditar - se fosse inclinado - que uma vigorosa, viril e rude geração estava emergindo, de um "creme cowardiano", dos palcos britânicos. E igualmente uma boa coisa? Para muitos que cresceram nesta época, Coward era um pouco misterioso: suas últimas peças não eram muito boas; sua pose enquanto modelo de boas maneiras foi considerada afetada ou esnobe; e, aos bem intencionados, a decisão de ir direto ao ponto deixou pouco espaço para Coward. Ele e as maledicências de Brief Encounter [Desencanto] (45, David Lean) haviam se tornado datados, e eu ouso dizer que isso o machucou, pois uma parte dele era terrrivelmente ansiosa de ser atual (ainda que uma vez, à la Wilde, disse que nenhuma outra busca lhe deixaria parecendo mais antiquado).

E, no entanto, se tomemos um filme como North by Northwest [Intriga Internacional] (1959), é difícil pensar que Cary Grant ou James Mason poderiam ter continuado a fazer o que faziam não fosse pelo exemplo e legado de Coward. Pode-se argumentar que Grant e Mason - e outros, inclusive Olivier - interpretaram, de fato, o tipo cowardiano melhor que o mestre teria conduzido. Ele não era tão bom ator, ao menos nos palcos, onde os limites do primeiro dia o restringiam, depois aborreciam-no. Mas como se eliminar Noël Coward - seu tom, sua atitude, seu modo de falar, seu modelo - da maravilhosa invasão de Hollywood por atores nascidos na Inglaterra, muitas vezes mantendo o sotaque inglês e perversamente treinados a esconderem o cerne do drama?

Para Coward, pode ter tido tanto a ver com a necessidade de velar anseios gays quanto o desejo de suprimir o emocionalismo vulgar; ainda que Coward criou, mais que qualquer um (tanto como autor como ator) a forma de falar que nos fazia ler as entrelinhas. Grant era muito melhor nisso que Olivier. E é possível que o próprio Grant dificilmente percebesse a influência (que não é verdadeira para Olivier, que admitiu-o, e certamente esteve muito próximo de ter um caso com Coward quando fizeram Private Lives juntos). Não creio que importe. A forma de interpretar entrou na mente de Grant. Afetou a atitude e o sentido de seus filmes. Então não se precisa disputar influências. 

E ainda não chegamos In Which We Serve [Nosso Barco, Nossa Alma] (42, Lean e Coward) e This Happy Breed [Este Povo Alegre] (44, Lean), e o tremendo impacto de Coward na geração de atores ingleses (ou britânicos) que incluiu Jack Hawkins, John Mills, Dirk Bogarde, David Niven, Trevor Howard (mesmo que escutasse outras vozes), Eric Portman, Dennis Price, Nigel Patrick e mesmo Rex Harrison. 

Há muitos incidentes sobre Coward que podem atrapalhar: o fato de ter atuado em Hearts of the World (D.W. Griffith, 1918); sua atuação em The Scoundrel [O Energúmeno] (35, Ben Hetch e Charles MacArthur); a chance de ter sido Harry Lime em The Third Man [O Terceiro Homem]; o verdadeiro, velho homem em filmes como Our Man in Havana [Nosso Homem em Havana] (60, Carol Reed); Bunny Lake Is Missing [Bunny Lake Desapareceu] (65, Otto Preminger) e Boom! [O Homem que Veio de Longe] (68, Joseph Losey), todos interessantes e perspicazes, mas por conta de já não ser mais bonito; para não falar de peças filmadas, como Design for Living [Sócios no Amor] (33, Ernst Lubitsch), que Gary Cooper claramente não sabia do que se tratava; ou mesmo que o filme Cavalcade [Cavalgada] (33, Frank Lloyd) vencesse melhor filme.

Não, a influência é próxima e diz respeito a interpretação, e afeta ideias do que é um homem, ou um cavalheiro. E certamente continua. Escutem Harold Pinter e você encontrará os ritmos de Noël Coward, assim como a mesma estranha fascinação pela homossexualidade. E agora que o desejo pela autenticidade masculina que tanto estimulou o Método parece estranha, é muito mais fácil perceber a ambiguidade de gênero em, digamos, Kevin Spacey, Johnny Depp, Ralph Fiennes, Rupert Everett, Jude Law, Matt Damon, Hugh Grant...e que tal Anthony Hopkins em Hannibal [O Silêncio dos Inocentes]?

Texto: Thomson, David. The New Biographical Dictionary of Film. N. York: Alfred A. Knopf, 2014, pp. 563-65. 

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