Filme do Dia: Varda por Agnès (2019), Agnès Varda
Varda por Agnès (Varda par Agnès, França, 2019). Direção
e Rot. Original: Agnès Varda & Didier Rouget. Fotografia: Claire Duguet,
François Decreau & Julia Fabry.
Montagem: Nicolas Longinotti & Agnès Varda.
Há um tom
professoral e uma sensação de déjà vu
inescapáveis na revisitação de sua obra que, somados a estrutura em forma de
apresentação diante de uma plateia em um teatro e ausência de perguntas ou
qualquer tipo de confrontação por parte dos outros que transformam esse último
filme da realizadora em um exercício algo engessado de autocelebração,
condescendência essa que um contemporâneo sobrevivente seu, Godard, jamais se
permitiu ou sequer contemplou. Mais de uma vez a realizadora exalta o tripé
ideação, criação (por em execução a ideia inicial) e compartilhamento como
fundamento do cinema. Porém o último filme q parece cumprir a risca o mesmo é o
seu anterior, não por acaso vislumbrado como seu filme-testamento, Visages Villages, algo q poderia se
estender aos próprios títulos das duas realizações. Em breves momentos,
colaboradores surgem em cena para compartilhar suas vivências passadas
profissionais em momentos q geram interesse mais detido pelas obras em si, como
a razão dos travellings em
determinada produção, o interesse documental presente em registrar transeuntes
e uma abertura para a vida que a tenta incorporar em seu movimento, como quando
se observa um homem que se apresenta na rua quase que literalmente engolindo
sapos (para não perder o trocadilho, já que se tratam de rãs) em Cléo de 5 às 7, filme seminal da
realizadora, sobre o qual não consegue deixar de contornar de todo certo
ressentimento com a pouca quantidade de pessoas presentes que o viram. Ou
ainda, de modo mais radical, quando um projeto que iria revisitar o ambiente de
seu primeiro curta se volta para algo completamente distinto.
Nesse sentido, o filme (enquanto
filme, já que originalmente foi produzido enquanto série para a TV, o que
talvez demonstre certo descompasso quando reunido para tela grande) funcionaria
melhor como um convite à obra da realizadora por parte de quem, sobretudo, não
a conheceria. Essa abertura ao real seria exemplificada de modo mais radical,
quando um projeto que iria revisitar o ambiente de seu primeiro curta se volta
para algo completamente distinto, ao incorporar o interesse dela pelos outros.
E sua afeição compassiva por si e pelo outro identificará implicitamente na
confecção de suas próprias obras o amor que percebe na feitura de pães ou dos
catadores. À guisa de uma possível indagação sobre o conflito humano em sua
demonstração mais crua, segue--se uma seleção breve e aleatória de imagens
descartadas de seus contextos, ao contrário da exegese das suas próprias, que
demarca o seu campo de interesse, inclusive ao afirmar que nunca assistira
nenhuma obra neorrealista. Varda traz imagens, em sua maior parte, de filmes
que lhe foram os mais significativos da carreira, sem esconder de todo os
fracassados. Assim, imagens e reflexões surgem de As Duas Faces da Felicidade e Uma
Canta, a Outra Não (No último caso
vinculado à seu feminismo sempre autodeclarado, mas longe de sectário), embora
não se deixa de fora o projeto mal sucedido e não por acaso esquecido
envolvendo Deneuve e de Niro, que a deixaria distante da ficção por vários anos
(se essa distância foi auto-imposta ou não, não fica claro). Pode parecer
um detalhe antipático mas suscita questões espinhosas envolvendo o desejo
artístico e o dinheiro, evocadas explicitamente em se teria ou não dinheiro
para conseguir um plano aéreo de um helicóptero, sobretudo se lembrarmos que a
própria diretora havia comentado anteriormente sobre Cléo, seu filme
mais famoso, ter sido feito com pouco, sob o olhar atento de um produtor
parcimonioso. Se escolhe sobretudo imagens de filmes mais marcantes, sem deixar
de fora seus projetos de instalações em museus, a passagem de uns para
outros, direcionada por temas e alusões trazidos por sua fala parece, muitas
vezes, não tão evidente. Dos atores com quem trabalhou, surge Sandrine
Bonnaire, relembrando com Varda, a experiência de ambas em Os Renegados.
Sua viuvez de Demy, trabalhada aqui primordialmente como mola para um projeto
que abrange outras mulheres anônimas em idêntica situação, vinculadas, no eixo
pessoal, às imagens de Jacquot de Nantes, produção que ainda contou
com a colaboração dele já paciente terminal. Sua atuação como fotógrafa,
algumas on meio artístico francês, mas igualmente do mundo político (Fidel
Castro) , já vislumbradas em seu filme anterior, retornam. Ciné Tamaris/ARTE.
115 minutos.
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