O Dicionário Biográfico de Cinema#229: Michael Douglas



Michael Douglas, n. New Brunswick, New Jersey, 1944

Por junho de 1992, após 13 semanas de seu lançamento, Basic Instinct [Instinto Selvagem] (Paul Verhoeven) reportou 105.7 milhões de dólares em bilheteria doméstica. Qualquer coisa próxima dos 100 milhões é de se sentir confortável. Mas Instinto foi um desenvolvimento precoce. Houve tantas polêmicas (sobre o roteiro extenso; nas segundas intenções do roteirista; no protesto de gays/lésbicas; no enquadramento como X ou R (*); sobre os olhares insolentes de Sharon Stone), e uma promoção astuta na TV, havendo filas ao redor de quarteirões. A sensação passou. Realmente não chegou tão longe nos sonhos otimistas da América média como Fatal Attraction [Atração Fatal] (87, Adrian Lyne). Da sétima semana em diante, Instinto Selvagem fazia modesto sucesso. Mesmo os 105 milhões estava a alguma distância nominal; e lucro em Hollywood é tema de incerteza heisenbergiana - pode-se determinar massa ou momento, mas raramente os dois juntos, e nunca o dia virá. O lucro tinha que ser colocado ao lado de tais coisas como o salário de 14 milhões de dólares de Michael Douglas.

Duvido que Sharon Stone tenha ganho um décimo do pago a Douglas. No entanto, ela era o motivo da conversa e o começo do cruzamento de pernas surgiu nas peças promocionais. Ela poderia ter ficado amarga; deveria se sentir abençoada que, após uma desordenada e dificilmente administrada carreira, de ter conseguido este papel. O nome de Douglas estava acima do título, mas era dela o rosto que maliciosamente observa por cima do ombro na imagem do cartaz. As unhas dela na carne de seu ombro. Portanto o instinto no título parecia prometer a agressão dela e o masoquismo dele. Apenas outro filme sobre mulheres tendo poder...

Isto não é menosprezar Douglas. Em Hollywood, alguém vale pelo que o sistema fornece, e isto somente é solicitado por influência. E influência compreende o histórico passado e o presente atual. Michael Dougles vendeu filmes, e possui a rara habilidade de ser forte e fraco ao mesmo tempo. Há em seus olhos, seu maxilar, seus fios de cabelo e sua voz a memória de seu pai. Mas também há algo como seu horror de ser tão parecido quanto Kirk. Que combustível para um ator! Permitiu a Michael Douglas interpretar um homem que é fraco, culpável, moralmente indolente, compromissado e ganancioso por sensações ilícitas sem perder a probidade ou potencial para características épicas que requeremos de um herói. 

Portanto, em Atração Fatal, a armadilha do filme funcinou porque Douglas parecia cometer adultério e se divertir em nosso nome (tem cópulas selvagens, cômicas e desajeitadas, que se devem muito a compreensão de Douglas do cômico que há na paixão) e ainda ser um apropriadamente ameaçado homem de família. Pode-se argumentar que foi um embuste e hipocrisia, mas funcionou. Daí o porque e como a família sobreviveu ao final do filme, embora resoluções mais verdadeiras e dramáticas tenham sido descartadas. Como qualquer filme de sucesso, Atração Fatal tinha que ser um anúncio da América sonhando - compartilhe a fantasia.

Quando Instinto Selvagem veio à tona, desenhou uma determinação em alguém não determinado em Douglas e utilizou a frase de divulgação: "Um assassinato brutal. Uma assassina brilhante. Um tira que não resiste ao perigo." Houve bem poucos filmes americanos que não nos sentimos atraídos pela vicária experiência de nos indagarmos se resistiríamos ao perigo. Douglas é carne perfeita para experimentos, de primeira do Departamento de Agricultura dos EUA, apenas um pouco envelhecida, à beira da decadência marmórea. 

Tudo isto nos leva de volta a Kirk Douglas, modelo e mentor sobre quem Michael é confuso. Poucos admitem que Kirk Douglas nas telas foi tanto mais forte quanto mais fraco  que o gosto de Michael para (isto é mais melodrama que modéstia). Na verdade, o Douglas sênior foi um pioneiro de boas intenções, cedento à tentação, e de resolver desmoronar. Ele ressoou sua própria queda em Champion [O Invencível], Ace in the Hole [A Montanha dos Sete Abutres], Detective Story [Chaga de Fogo], The Bad and the Beautiful [Assim Estava Escrito], e Lust for Life [Sede de Viver] - na maior parte da maioria dos filmes kirkianos, ele esta apto para ser um Karamazov.

Devemos lembrar que Michael é filho de um filho de um imigrante russo judeu. E de uma mãe WASP. Os pais se divorciaram quando Michael ainda era criança e havia um padrinho, mais hábil e gentil para falar com o rapaz. Porém o extraordinário sucesso de Michael Douglas - em Hollywood, na América - em sua aparente suavidade, podemos começar a entender o senso de Kirk de falha e aspereza. Porém são somente os filhos que terão que carregar a cruz. 

Michael Douglas cresceu na costa Leste e foi enviado a escolas preparatórias. Rejeitou Yale pela Universidade da California em Santa Barbara, uma escola não tão boa ou rígida, mas um belo local. Douglas ainda possui uma casa em Santa Barbara, seu local preferido, e encontrou um importante amigo lá, Danny DeVito. 

Pelo final dos anos 50, decidiu ser ator e foi o segundo principal para Karl Malden na série de TV Streets of San Francisco (1972-77). Ao que se sobrepõe o cinema: Hail, Hero! [O Protesto] (69, David Miller); Adam at 6 A.M. [Um Mundo Pequeno Demais] (70, Robert Scheerer); Summetree [Árvore da Solidão] (71, Anthony Newley); e para a Disney, Napoleon and Samantha [Napoleão e Samanta] (72, Bernard McEveety).

Havia poucos indícios de um ator duradouro. Mas neste ponto Michael persuadiu Kirk a lhe dar esperanças de interpretar em um filme de One Flew Over the Cuckoo's Nest [Um Estranho no Ninho], de quem o pai possuía os direitos. Ao invés, Michael tentaria realizar o filme. Deu certo: com Saul Zaentz, Milos Forman e Jack Nicholson, o filho produziu o filme e conquistou grande aclamação crítica e sucesso nas bilheterias. Arrebanhou o Oscar de melhor filme. Kirk arrecadou um bocado de dinheiro e estava certamente orgulhoso. Também estava mortificado. O que não quer dizer que os sentimentos de Michael fossem puros. Para os Douglas, o triunfo pode necessitar ser ambivalente. 

Michael se estabeleceu enquanto produtor, e pode ainda ser o caso do trabalho moveu-o a mais que atuar. Seus filmes seguintes como ator não foram mais do que exercícios para manter a forma, no qual deixou as atrizes serem o centro da energia: Coma (78, Michael Crichton) e It's My Turn [Esta é Minha Chance] (80, Claudia Weil). Esteve certamente energizado em Running [A Maratona de Michael] (79, Steven Howard Stern), mas sem a intensidade de, digamos, Bruce Dern. Nem foi melhor que um espectador em The China Syndrome [Síndrome da China] (79, James Bridges), mas novamente produziu o filme, que estreou pouco antes de Three Mile Island. Não há regras contra a sorte de um produtor. E não há a necessidade de se ponderar se a sorte é boa ou ruim.

Nos anos 80, Douglas teve mais dois sucessos como produtor. E atuou nestes filmes - Romancing the Stone [Tudo por uma Esmeralda] (84, Robert Zemeckis) e Jewel of the Nile [A Jóia do Nilo] (85, Lewis Teague) - e se divertiu como o aventureiro. Porém, estava preocupado com duas difíceis locações e prontamente concedeu os filmes a Kathleen Turner e Danny DeVito.

Como se houvesse havido uma campanha, moveu-se em relações a melhores papéis e mais responsabilidade, ainda que quase nunca dominasse um filme. É o motor de Atração Fatal, mas o filme diz respeito a uma motorista maluca (Glenn Close). E ainda que tenha ganho o Oscar de ator como Gordon Gekko em Wall Street [Wall Street: Poder e Cobiça] (87, Oliver Stone), o filme é na verdade sobre o persongem de Charlie Sheen. É apenas que o poder de Gekko é sentido mais fortemente, e sua ambiguidade emerge como mais intrigante que a brochura barata de Sheen. A visão de Douglas de Gekko é um fascinante signo de como pensa o ator-produtor: "Não penso de Gekko como um vilão. Não bate em sua esposa ou seu filho.  Está apenas cuidando dos negócios. E dando chances a muitas pessoas."

Douglas não encerrou sua jornada. Produziu Starman [O Homem das Estrelas] (84, John Carpenter) e Black Rain [Chuva Negra] (89, Ridley Scott), no qual também atuou, fazendo muito do papel de um policial pobre e corrupto. Também atuou e encorajou o audacioso e desgovernado The War of the Roses [A Guerra dos Roses] (89, DeVito) e atuou em Shining Through [Uma Luz na Escuridão] (92, David Seltzer).

Douglas tinha sua própria companhia produtora, Stonebridge, que fez Flatliners [Linha Mortal] (90, Joel Schumacher) e Radio Flyer (92, Richard Donner). Mas Douglas rompeu com seu parceiro, Rick Bieber, e reduziu a nova companhia, após diversos fracassos.

Em 1993 interpretou o homem comum que vai além do limite em Falling Down [Um Dia de Fúria] (Schumacher). Poderia ter sido outra exploração do ressentimento urbano na psiquê das massas - mas somente se o personagem de Douglas tivesse sido outro louco - ou mais cômico?

Se a extensão deste verbete pode parecer excessivo, digo duas coisas: Michael Douglas é bastante característico da Hollywood moderna e, gosto dele. Para aqueles de nós que estão no barco, os anos 90 foram tempos difíceis. O casamento, frequentemente incerto, de Douglas, acabou. Houve conversas - de parte dele, não apenas dos outros - dele ser viciado em sexo. O que o tornou clintoniano - mas não nos fez sentir todos viciados em sexo? Bem poucos dentre nós pode esperar um resgate sob a forma de Catherine Zeta-Jones, sua nova noiva e mãe de sua criança. Pareciam felizes e Douglas, como Kirk, aprecia a felicidade. 

Fez alguns filmes ruins, e outros que foram somente tolos, mas nunca perdeu seus admiradores: Disclosure [Assédio Sexual] (94, Barry Levinson), onde era o homem da vez a ser assediado sexualmente - conhece problemas de pulso. The American President [Meu Querido Presidente] (95, Rob Reiner), um filme idiota, mas próximo da surpresa de Bill Clinton ("Vejam, posso voar"); The Ghost and the Darkness [A Sombra e a Escuridão] (96, Stephen Hopkins), que foi próximo de bom. The Game [Vidas em Jogo] (97, David Fincher), também, foi quase fascinante. Somente A Perfect Murder [Um Crime Perfeito] (98, Andrew Davis) foi imperdoável. 

E então recompensou a todos que gostavam dele com a bela mesquinhez de Wonder Boys [Garotos Incríveis] (00, Curtis Hanson). Na verdade foi bem negligente em Traffic [Traffic: Ninguém Sai Limpo] (00, Steven Soderbergh) - mas nossos problemáticos tzares modernos são semelhantes. Em Don't Say a Word [Refém do Silêncio] (01, Gary Fleder), não fui. Então veio One Night at McCool's [Que Mulher é Essa?] (01, Harald Zwart); It Runs in the Family [Acontece nas Melhores Famílias] (03, Fred Schepisi); The In-Lawns [Até que os Parentes nos Separem] (03, Andrew Fleming).

Atuou em You, Me and Dupree [Dois é Bom, Três é Demais] (06, Anthony e Joe Russo); atuou e produziu The Sentinel [Sentinela] (06, Clark Johnson). Os próximos filmes fizeram muito pouco: King of California [O Rei da Califórnia] (07, Mike Cahill); Ghosts of Girlfriends Past [Minhas Adoráveis Ex-Namoradas] (09, Mark Waters); Beyond a Reasonable Doubt [Acima de Qualquer Suspeita] (09, Peter Hyams); Solitary Man [O Solteirão] (09, Brian Koppelman).

Em anos recentes, tanto ele como sua esposa tem tido problemas de saúde - e questões envolvendo saúde mental - mas esteve de volta para Wall Street: Money Never Sleeps [Wall Street: O Dinheiro Nunca Dorme] (10, Stone); Haywire [A Toda Prova] (11, Soderbergh); um triufo pessoal como Liberace em Behind the Candelabra [Minha Vida com Liberace] (13, Soderbergh); Last Vegas [Última Viagem a Vegas] (13, Jon Turteltaub).

Texto: Thomson, David. The New Biographical Dictionary of Film. N. York: Alfred A. Knopf, 2014, pp. 758-62.

N. do E: (*) categorias do sistema de classificacão por faixa etária no sistema de exibição de filmes nos cinemas norte-americanos. 

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