Filme do Dia: Colectiv (2019), Alexander Nanau
Colectiv
(Romênia/Luxemburgo/Alemanha, 2019). Direção Alexander Nanau. Rot. Original
Alexander Nanau & Antoaneta Opris. Fotografia Alexander Nanau. Música Kyan
Bayani. Montagem Dana Bunescu, George Cragg & Alexander Nanau.
Há um determinado momento, uma médica
escuta a interrogação do novo ministro da saúde de o que terá acontecido para
que se tenha chegado a situações tão absurdas quanto a de se ter larvas
visíveis na nuca de um paciente internado ou que se cubra os rostos de
pacientes internados, para simplesmente não se encarar as deformações que lhe
foram causadas pelas queimaduras. Essa, responde que talvez tenham perdido a
humanidade. E essa consideração da
médica deve não só ser levada em conta como observada em sua recorrência ao
redor do mundo, em situações distintas, por mais temores que se tenha de
generalizações vazias – uma delas poderia ser a criminosa atuação repressiva da
polícia francesa em relação aos manifestantes no contemporâneo O Monopólio
da Violência. Não se trata do que habitualmente se encontra vinculado a
nações europeias, mesmo que de menor representatividade no cenário mundial como
a Romênia. E o que essa cena traz é tão rico que escapa para outras
possibilidades de discussão. Inclusive, em relação à própria realização
documental. Se a equipe do ministério da saúde que sai de cena com o escândalo,
capitaneado por ninguém menos que um jornalista de um veículo dedicado ao
esporte, é completamente impessoal e protocolar, buscando blindar-se, o novo ministro
se permite filmar discutindo práticas e o próprio sistema de saúde como um todo
do país, em um nível de transparência evocativo de Crise – Por Trás de umCompromisso Presidencial, produção dos tempos áureos do Cinema Direto dos
anos 60. E se passar de um extremo para o outro não nos furta certo sentimento
de incredulidade no que vemos, por motivos obviamente opostos. Por trás de
tudo, logo se escavará mais fundo, há a questão da corrupção, de dinheiro
desviado mesmo após o incidente da boate, que provocou a morte de dezenas de
jovens e que também foi filmado inicialmente (como o do caso brasileiro
equivalente, e mais mortífero de alguns anos antes, da boate Kiss),
ironicamente logo após a banda que se encontrava se apresentando ter cantado
uma canção que critica justamente a corrupção e aí percebe que fogo começa a
emergir no recinto, e afirma que não faz parte da apresentação. A corrupção ou,
no mínimo, a passividade diante dela parecem tão incrustados no corpo social do
país quanto os vermes na carne do paciente na forte imagem apresentada pelo
documentário, que durante um bom tempo a grande imprensa demonstra ceticismo e
mesmo irritação com o colega Catalin Tolontan, o primeiro a trazer as questões
a baila em amplitude nacional. E há um efeito cascata que leva a outros erros e
omissões governamentais, como a transferência de pacientes necessitados de
transplante pulmonar para Viena, a um maior custo e possibilidade de morte do
paciente, quando um hospital local afirma ser capaz de efetivá-lo. Observamos
um destreinado ministro da justiça diante da questão posta por uma jornalista,
e depois assistindo a repercussão em um jornal televisivo, de seu escritório,
que possui um quadro observado anteriormente na mostra dedicada a uma das
vítimas de queimaduras atrozes que a deixaram com marcas e aleijões por todo o
corpo, e que se transforma numa espécie de símbolo da crise sanitária do país.
O que essa produção parece clamar é contra a passividade diante dos erros das
gestões públicas. E, depois de um tempo, o protagonista do documentário não
mais será Tolontan, e sim o próprio ministro da saúde. Para um filme que se
constrói em um padrão quase próximo da ficção, e de uma ficção que, a partir de
certo momento, consegue se encontrar no local certo na hora certa, seu final
pode destoar em sua opção pelo lacônico. Alexander Nanau Prod./Samsa Film/HBO
Europe. 109 minutos.
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