Filme do Dia: O Barato de Iacanga (2019), Thiago Mattar


 

O Barato de Iacanga (Brasil, 2019). Direção Thiago Mattar. Rot. Original Guilherme Algon & Thiago Mattar. Fotografia Diego Lajst & André Manfrim. Montagem Guilherme Algon.

Documentário que faz um retrospecto do Festival de Águas Claras, sobretudo em suas três primeiras edições, tendo como fio condutor maior o seu próprio idealizador e principal organizador, Leivinha, e algumas pessoas próximas, incluindo a sua irmã. Iniciando como algo praticamente entre amigos, e divulgado através do boca-a-boca, demonstrou ser uma fonte de agregação e de público, boa parte deles de verve hippie, a realizarem o que seria uma versão Woodstrock, em solo brasileiro, na fazenda do pai de Leivinha, na provinciana Iacanga, no interior de São Paulo, em 1975. Período ainda bastante repressor da ditadura. Importante peça de uma memória não muito cultivada, contando com gravações em vídeo, quase todas em condições relativamente precárias, e dos arquivos de TV, possui um momento ao menos tocante, com o show de João Gilberto na terceira edição, com o amanhecer do dia, e um cantor suado, mas feliz de escutar a multidão cantar a letra de Wave, após uma tensão inicial com a microfonia.  Justamente esta edição, a mais bem sucedida em termos de público e repercussão crítica, selaria de alguma maneira a última versão, capitaneada por outras fontes do mercado publicitário – não custa lembrar que o Rock in Rio emerge no ano seguinte – e cabe como uma luva na narrativa da aproximação do lucro e correspondente esvaziamento cultural-ideológico, aliado de uma chuva monumental que praticamente cancelou metade das apresentações, incluindo a de um João Gilberto que voltara novamente com a intenção de lá tocar. Não que a narrativa do sucesso como passaporte para o lucro, que se vê contradita, inclusive provocando a bancarrota financeira de seu idealizador, esteja necessariamente equivocada. Mas, no mínimo soa um pouco demasiado fácil, como tudo mais, neste documentário, que infelizmente conta com uma qualidade sonora péssima, provavelmente em grande parte motivada pelo material original do qual depende, e que o serviço de streaming tampouco conseguiu minimamente melhorar. Pode ser posto na conta do espírito das três primeiras versões do festival? É possível, embora comprometedor quando se tem como matéria justamente a música. Há uns poucos depoimentos verdadeiramente divertidos, como o de duas senhoras, irmãs e comerciantes à época, uma negando ter ido a qualquer show, a outra dizendo que não só foram como pela primeira vez havia visto “a coisa” dos outros, que até então só tinha visto do próprio marido. A segunda imagem mais tocante, depois da de João Gilberto se apresentando, é a de Leivinha revisitando a propriedade, vendida por seu pai desde há muito, com a repercussão negativa do festival – ele próprio que, no momento de emoção, havia subido no palco para rebater críticas da imprensa, dizendo que se mil e quinhentos jornalistas se reunissem lá sairia muito mais confusão que  no grupo que lá estaria fumando maconha, e saudando a droga como um sinônimo de pacificação. Cercado por laranjais e tratores, diante de uma propriedade, provavelmente improdutiva. São retratos de duas épocas diversas do Brasil (para não dizer do mundo) e todo um outro documentário poderia emergir daí. Há imagens ainda de Paulinho Boca de Cantor (também um dos depoentes), Sá & Guarabira, Diana Pequeno, Alceu Valença, Gilberto Gil (na época de sua cabeleira com o desenho da lua e estrela), Raul Seixas, Egberto Gismonti, Hermeto Paschoal, Sivuca, Luiz Gonzaga, Sandra de Sá, Gonzaguinha, Jorge Mautner, Walter Franco, Erasmo Carlos e outros. |bigBonsai. 93 minutos.

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