Filme do Dia: O Sonho de Wadjda (2012), Haifaa Al-Mansour

 


O Sonho de Wadjda (Wadjda,  Arábia Saudita/Holanda/Alemanha/Jordânia/Emirados Arábes Unidos/EUA, 2012). Direção e Rot. Original: Haifaa Al-Mansour. Fotografia: Lutz Reitemeier. Música: Max Richter. Montagem: Andreas Wodraschke. Dir. de arte: Thomas Molt & Tarik Saeed. Cenografia: Maram Algohani. Figurinos: Peter Pohl. Com: Waad Mohammed, Reem Abdullah, Abdullrahman Al Gohani, Ahd, Sultan Al Assaf, Alanoud Sajini, Rafa Al Sanea, Dana Abdullilah.

Wadjda (Mohammed) é uma garota que sonha em ter uma bicicleta como a de seu amigo Abdullah (Al Gohani). Sua mãe (Abdullah) e sua rigorosa professora, a srta. Hussa (Ahd), pensam diferente, acreditando que bicicleta é coisa para meninos. Hussa vive repreendendo Wadjda por ela não seguir as convenções típicas de uma menina de sua idade. Sua mãe está tendo um momento difícil com o pai (Al Assaf), que pensa em casar com outra mulher. Hussa fala de um concurso de declamações e perguntas sobre o Corão, com um prêmio que possibilita que Wadjda compre sua bicicleta. Ela se aplica fortemente ao concurso. No dia do mesmo, em que se sagra com o primeiro lugar, Hussa afirma que doará seu prêmio a Palestina, por ela ter afirmado que com ele compraria a bicicleta. Ao chegar em casa, não consegue falar com o pai sobre o assunto. Sua mãe, triste, afirma que agora são somente as duas, que o pai está se casando ao lado. Ela comprou a bicicleta para Wadjda, que comemora pedalando ao lado e na frente do amigo Abdullah.

Por mais interessante que seja essa produção, realizada por uma mulher em um país grandemente infenso a participação feminina na esfera da vida pública, inclusive na direção de filmes, com alguns momentos dramáticos bem resolvidos – como o momento em que Wadjda canta – se torna imensamente prejudicada pelo esquematismo com que apresenta toda sua narrativa de transgressão à sociedade misógina saudita. Tudo gira em torno disso e os outros personagens parecem surgir como meros anteparos que confirmam, de forma redundante, a simpatia a ser necessariamente sentida pela garota -  vivida algumas vezes com brilho por Mohammed, noutras cenas uma interpretação mediana, o que não pesa tanto em um roteiro recheado de facilidades; assim, Abdullah é completamente destituído de vida, sendo uma figura a reboque dos desejos e caprichos da garota com quem pretende se casar, como ele mesmo afirma, a professora Hussa é a caricatura da má vontade – em contraposição a uma outra professora, elaborada de forma menos maniqueísta – e não resta a Wadjda lhe passar o recibo de sua hipocrisia, já que recebeu a visita de um amante em sua casa, divulgando que havia sido um ladrão. Se partir de um tema micro para pensar um mundo foi utilizado quase a exaustão por um certo cinema iraniano bastante popular nas telas internacionais de um circuito de “filmes de arte” nos anos 90 e idos do século XXI, já o havia sido igualmente de alguns realizadores do Neorrealismo italiano. E, nesse quesito, não deixa de ser esclarecedora uma comparação com a maior parte dos filmes iranianos que também giravam em torno de motivos aparentemente simples (O Jarro talvez sendo o mais paradigmático), já que o objeto que motivava a trama era vinculado a um grupo social. Se é verdade que o objeto nada obscuro do desejo de Ladrões de Bicicleta (1947), de Vittorio de Sica, satisfazia igualmente a ele e também servia como pretexto, dentre outros, para pensar uma sociedade, além de ser fonte de sustentação para toda sua família aqui, mais apropriadamente em termos de visão de mundo contemporânea ao momento em que o filme foi realizado, trata-se de um mero desejo de uma garota de posição social relativamente privilegiada. Pior que  isso é o previsível final, com a mãe tendo sua tomada de consciência em relação ao quanto fora subserviente ao marido, mudando radicalmente de posição em relação ao capricho da filha, já que agora solidária em termos da condição de oprimida, de uma forma que infelizmente é mais fácil ocorrer em roteiros para o cinema que nas complexas tessituras que formam um indivíduo concreto. Razor Film Produktion GmbH/High Look Communications Group/Enjaaz. 98 minutos.

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