Filme do Dia: Ivan Vasilevich Muda de Profissão (1973), Leonid Gaidai

 


Ivan Vasilevich Muda de Profissão (Ivan Vasilevich Menyaet Professiyu, URSS, 1973). Direção Leonid Gaidai. Rot. Adaptado Vladlen Bakhnov & Leonid Gaidai, a partir da peça de Mikahil A. Bulgakov. Fotografia Vitali Abramov & Sergei Poluyanov. Música Aleksandr Zatsepin. Montagem Klavdiya Aleyeva. Dir. de arte Yu. Fomichov & Yevgeni Kumankov. Figurinos Nadezhda Buzina. Maquiagem Aleksei Tetyurkin. Com Yuriy Yakovlev, Leonid Kuravlyov, Aleksandr Demyanenko, Saveli, Mikhail Pugovkin, Vladimir Etush, Natalya Krachkovskaya, Natalya Seleznyova.

Ivan Vasilevich (Yakovlev) é um síndico que acidentalmente é envolvido pela máquina do tempo de seu vizinho cientista, Shurik (Demyanenko), quando vai reclamar dos efeitos de suas experiências sobre a rede elétrica do condomínio. Shurik foi abandonado por sua mulher, Zinaida (Seleznyova), que o trocou pelo cineasta do filme no qual trabalha, Yakin (Pugovkin). E quanto a Ivan ele vai parar, com George (Kuavlyov) nos tempos do tzar Ivã, o Terrível (Yakovlev), que possui fortes semelhanças com o síndico. Pouco depois o tzar vai parar na Moscou moderna, enquanto a dupla continua nos tempos imperiais.

A comédia é um gênero por excelência a dialogar com tiques nacionais, e talvez esta seja a forma de compreender a enorme aceitação popular, ao menos à sua época, desta comédia tida como excêntrica, que faz uso de expedientes demasiado batidos, como é o caso da máquina do tempo (e é melhor nem entrar no mérito do porque toda narrativa centrada neste motivo sempre leva os viajantes a não apenas figuras marcantes da história, mas em momentos climáticos da mesma) e de outros clichês de comédia-pastelão, como aceleração do movimento ou comentários direcionados à câmera. O que não quer dizer que não se tire partido do patrimônio histórico russo de forma original, sem o peso do  sério-dramático (e, de quebra, seu equivalente fílmico, com Ivã, o Terrível, de Eisenstein).  Nada como a roda do tempo a girar, pois se durante o período desta produção se alega não mais se envenenar lideranças políticas, o que não se poderia dizer de duas décadas adiante no século seguinte? E as sequencias mais divertidas, são as menos espalhafatosas, como a que agrega todo o peso do anacronismo, deixado surpreendentemente de lado, com a imersão de Ivan no presente da produção, e observamos um tzar se assustando com uma descarga, admirando-se com a foto de mulheres em trajes reduzidos na parede e amedrontando-se com uma gravação (dos tempos do pré-cassete). Ou, ainda melhor, quando diretor e vedete discutem possíveis trabalhos futuros, em meio a uma briga, e quando discutem sobre uma produção histórica, ninguém menos que Ivã, indagado pelo diretor se não seria o célebre ator-cineasta Sergei Bondarchuk, dentre outros. E, nesse momento, consegue seu melhor tento, ao deixar exposto o poder associado aos papéis sociais em diferentes épocas – enquanto o diretor de cinema, sempre bajulado, vem a ser escorraçado por ter tocado no Tzar, um vizinho se irrita em ser tratado pelo último como servo, a lhe indagar quem seria o seu senhor. E a mais divertida, quando uma típica e roliça mulher russa toma o tzar por seu Ivan. No núcleo histórico, menos divertido, o falso tzar, ao receber um emissário estrangeiro, é corrigido de última hora, quando seu assistente, observando uma pintura da época, percebe que os adereços do cerimonial estão em mãos trocadas. Ou entregando como presente ao emissário sueco uma das canetas que vestiam ou despiam uma mulher, quando viradas ao avesso.  Seus números musicais surgem em momentos de rearticulação narrativa, e para o bem do espectador não muito numerosos (embora se o primeiro é um tanto sem graça, articulado apenas a uma subtrama desnecessária, envolvendo a separação e traição da esposa do cientista, o segundo soa um pouco mais orgânico e menos aborrecido, e tira partido do anacronismo). E, como os cubanos já haviam provado de muito antes, em seu A Morte de um Burocrata,  consegue igualmente extrair recursos dos efeitos sonoros, com dublagens de pretensão histriônica, como a de um homem que se faz passar por mulher, ou um cavalo que canta. Pequenas licenças cômicas são permitidas contra o regime, como o vendedor ilegal de produtos eletrônicos, que possui uma miríade de artigos sobre o casaco, escondendo-os quando passa um militar, enquanto as lojas não possuem nada ou estão em reforma. Logicamente o grosso da paródia fica com o tzarismo. Ao mesmo tempo que esteticamente, sob certos aspectos superficiais (figurinos, fotografia, maquiagem) não é muito distante da pornochanchada brasileira contemporânea, antecipando algo do humor exótico de filmes como Kin Dza Dza. Provavelmente a tirada mais inesperada, e chapa branca, seja a do tzar apreciando muito positivamente a paisagem da Moscou moderna, da janela do apartamento. Acerta quando não tenta investir em efeitos especiais para representar a ação da máquina do tempo, trazendo efeitos óticos algo psicodélicos que saíram melhor que a encomenda.  Apela-se, ao final, para a mais trivial das saídas em uma comédia, o que não é exatamente uma surpresa, e a utilização do preto & branco ao início e final, também segue uma convenção bastante utilizada. |Mosfilm. 88 minutos.


 

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