Filme do Dia: 28 Up (1984), Michael Apted
28 Up (Reino Unido, 1984). Direção: Michael Apted. Fotografia: George Jesse Turner. Montagem: Kim Horton & Oral Norrie Ottey.
Talvez mais do
que qualquer outro de seus três predecessores
até então, nesse documentário da longeva série Up (1964-2019, até o momento)
aborda os mesmos atores naturais a cada intervalo de sete anos, perceba-se um sentido nos homens e mulheres, agora com
28 anos de idade, enquanto continuidade aparente com suas singelas imagens aos
7 anos. De Tony Walker se adivinha uma certa força de caráter ou perseverança
que o faz se sentir em vantagem, em relação aos seus colegas mais instruídos,
mesmo que essa seja demonstrada sobretudo nos filmes posteriores ao primeiro (Seven Up!). De Bruce, as inquietações
com relação à religião, associadas a um aparente travamento em relação à
(homo)sexualidade. De John um conservadorismo quase pernóstico que no anterior
já afirmara que não se incomoda que as pessoas possuam desvantagens em relação
às outras, incomoda muito mais que as que possuem vantagens não as usufruam ou
que preferia se imaginar vivendo como na Idade Média. E, tal como outro colega
de mesmo nível social, recusando-se a depor nesse documentário, dizendo-se satisfeito
com o que já havia falado nos anteriores.
Ou será que nossos olhares se encontram contaminados pela visada
retrospectiva que o filme fornece e, ao mesmo tempo, parece auxiliar na
elaboração de uma narrativa coesa de personalidade de seus envolvidos? Suzi, na
contracorrente dos dois exemplos citados acima, casa-se pouco depois dos seus
comentários a respeito de seu sentimento de cinismo em relação ao matrimônio,
embora talvez tal mudança de perspectiva não pareça ter o mesmo peso das
continuidades inerentes nas trajetórias de Tony ou Bruce. E, enquanto ela
declara aos 7 que quando casasse gostaria de ter duas crianças, aos 21 afirma não gostar de bebês e aos 28 está
justamente com as duas crianças que afirmara que gostaria de ter aos 7, sendo
mais um ponto de contato com a “fala fundadora”. E o filme contrasta sua fala
de não gostar de bebês com a imagem seguinte dela cuidando das duas crianças e
não aos cuidados de uma babá como dissera aos 21. Suzi parece bem mais
tranquila e feliz que nos três encontros anteriores com o cineasta (embora no
primeiro, Apted não fosse o realizador) e ele indaga a respeito do contraste,
sobretudo com o seu jeito nervoso e fumando sem parar em 21 Up, ao que ela
credita em boa parte ao marido, que se encontra ao seu lado nesse momento,
assim como ao fato de na vez anterior encontrar-se sem rumo. Na mesma linha da “fala fundadora” vão os
comentários da mulher de Paul, hoje vivendo na Austrália, a afirmar que podia
ver no garoto de 7 anos algo de tão patético existente nele que a deixa
desconfortável, mas ao mesmo tempo uma preocupação com os outros. Isso
demonstra, igualmente, que imagens dos personagens dos filmes anteriores são
reapresentadas para eles no período da feitura do atual documentário, mas, ao
contrário de 21 Up, nos quais eles
são filmados observando tais imagens, e inclusive coletivamente, agora fica bem
mais difícil tal tipo de reunião e tampouco são observados visionando as
imagens. De Neil, tem-se a impressão provavelmente contrária da maior parte dos
outros, talvez por conta de seus problemas mentais, e se fica mais tendente a
observar retrospectivamente na criança traços que ficarão mais definidos na
vida adulta que o percurso inverso. Neil tem um dos depoimentos mais tocantes
desse programa, afirmando que todos parecem seguir mecanicamente a vida sem ter
a mínima noção de onde vão parar e tão pouco estão preocupados com. Para ele,
uma sociedade que age dessa forma está condenada. Também se torna um caso único
de primeira (e talvez última quiçá) indagação sobre o efeito das declarações
dadas no programa no que diz respeito às relações familiares, provocando
incômodo, embora Neil reassegure que disse o que gostaria de ter dito mesmo. Ou
ainda quando afirma que prefere o Velho Testamento ao Novo, por acreditar que o
Deus descrito naquele é bem mais imprevisível, como ele acredita que tem sido
em relação a ele, as vezes demasiado benevolente, por vezes inexplicavelmente
duro. Quanto ao pequeno grupo de personagens mulheres, Jackie, Susan e Lynn –
sendo Suzy observada à parte – o que mais chama a atenção, de imediato, é o
quanto elas continuaram gregárias, ao contrário de todos os exemplos
masculinos, sendo as únicas observadas juntas nos quatro episódios da série.
Symon, o garoto negro, criado parcialmente apenas pela mãe, parte em um
orfanato, surge ao final, agora casado e pai de nada menos que cinco
filhos. Quando indagado sobre o que os
filhos dele tiveram que ele não, ele nem titubeia que é a sua própria figura,
de um pai, que ele nunca teve. Esse
número da série parece deixar evidente os personagens que rendem mais e os que
rendem menos (como é o caso das três garotas da classe popular), inclusive em
termos de metragem dispendida a cada um. Ao contrário dos outros, o formato se
modifica grandemente, ao não mais interrelacionar trechos dos entrevistados,
mas dedicar um determinado tempo a cada (ou grupo, no caso das três garotas), o
que ainda evidencia mais as disparidades do tempo de alguns dos retratados. É o
mais longo da série e o único a ter sido lançado nos cinemas. Granada
Television. 126 minutos.
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