Filme do Dia: As Últimas Estrelas do Cinema (2022), Ethan Hawke
As Últimas Estrelas do Cinema (The
Last Movie Stars, EUA, 2022). Direção Ethan Hawke. Rot. Original Stewart
Stern. Música Hamilton Leithauser. Montagem Barry Polterman.
Cosmic Orphans. Há uma proposta interessante em
jogo. Ao mesmo tempo que apresenta os atores do jogo em despojadas lives via
zoom, como muita gente vivenciou em tempos pandêmicos, Hawke não se exime de
efetuar comentários a respeito do tema em questão com aqueles a vivenciarem as
respectivas vozes de Newman, Woodward e companhia limitada. E fica sempre
patente o achatamento do presente diante das míticas imagens do passado – Actor’s
Studio, Lee Strasberg, Marlon Brando (o ícone de uma geração e também de
Newman), os clipes dos filmes e também o espelhamento das admirações – ao mesmo
tempo que O Selvagem da Moticicleta, com Brando, motivou Newman para sua
carreira, foi o próprio Newman que motivaria a de Hawke com Butch Cassidy.
E ao indagar aos interlocutores sobre se conheceram Paul Newman, e Sam Rockwell
disse que compartilhou uma cerveja com o mesmo em um evento beneficente. E para
trazer mais camadas a este jogo de repertório restrito, o documentário também
traz imagens das pessoas efetuando as vozes das personalidades que encarnam,
como a descrição de Newman por Gore Vidal, vivido por Ashmanskas. E até mesmo
Hawke vibrando com a aproximação do ator da entonação de Vidal ao final da
frase. E ele comenta, mesmo sendo amigo
pessoal de Woodward (o que poderia, por outro lado, igualmente explicar tal
declaração) ter esquecido após tantos minutos que era ela em Amor, Prelúdio da Morte. Mesmo filme que parece ter marcado a consciência da presença dela
para Martin Scorsese, assim como um ano depois, no mesmo cinema, A Mulher do
Próximo, de Martin Ritt. Vidal observa a diferença entre ambos: Joan era
instintiva em sua interpretação, enquanto Newman estava sempre a pensar. E um
teste para Vidas Amargas na qual James Dean está ao lado de Newman. E
quando vem o momento da filha do primeiro casamento, Stephanie Newman, dar um
relato do divórcio dos pais, a partir da perspectiva da mãe, Hawke esta
procurando um local da casa na qual a internet esteja melhor, algo que faz a
maior parte dos espectadores se identificar. Se a maquiagem pode soar datada –
ou não, a depender da época – a interpretação de Woodward em Vidas em Fuga
é estupendamente contemporânea, e mesmo chocante para os padrões da época, em
sua entrega e despojamento de pudores, como na cena do carro com Brando. Algo a
ser percebido de imediato na imagem, mas que alguém confirma em seu depoimento.
Vincent D’Onofrio, com quem Hawke interage mais fora dos papéis/vozes dos
envolvidos que o ouvimos como Karl Malden, e quando comentarista faz uma
distinção quase caricata entre a interpretação de alguém do Actor’s Studio
e outra não. A primeira mas parece uma leitura branca de uma peça, enquanto na
segunda ele chega a ficar com lágrimas nos olhos, despertando o riso de Hawke. A
Star is Born. Enquanto centenas de garotas sonhavam em se tornar estrelas,
Woodward se tornava uma. E Newman vinha na cola dela, apresentado por Martin
Ritt para ela em O Mercador de Almas, de cores exuberantes e uma
exploração do corpo de Newman, da qual o próprio ator desfazia, afirmando que
se as pessoas o conhecessem iriam perder a excitação rapidamente, e que sua
invenção como objeto sexual, fora algo nunca orgânico a sua pessoa. O filme foi um
enorme sucesso de público e crítica, lançando os holofotes para ambos – Newman
ganharia o prêmio de interpretação masculina em Cannes por ele. Ela e Paul
deixam suas mãos no cimento do Grauman’s. As dificuldades financeiras de Joanne
e sua mãe – as duas dormiam na mesma cama durante toda a época do colegial da
filha – e o ingresso de Joanne na vida amorosa são ilustrados por fotos de
álbuns de família e imagens de filmes nos quais participou, além de comentários
do próprio Hawke. Seu namorado na ocasião relembra ela ir aos bailes sem a
roupa de baixo e, apesar disso, dançar despreocupadamente. Na noite do
trigésimo Oscar, Joanne estava alucinada completando o próprio vestido. A
resposta dela após ter ganho o prêmio em uma entrevista para a TV é desafiadoramente
desconcertante, ao relatar o quanto desejava ser escolhida a predileta de uma
escola na qual estudou e, após ter sido, perceber que nada mudara em sua vida.
Quando é a vez de Newman apresentar tal comentário, tempos depois, ele afirma
ser a sorte, associada com dois pontos, ter nascido branco na América
em 1925, e ter boa aparência. É honesto, mas tal como em suas técnicas de
interpretação, parece demasiado cerebral diante de Woodward. Hawke destaca a
presença de Louis Armstrong junto a Sidney Poitier e Newman em uma longa
sequência admirada por ele de Paris Vive à Noite, e se admira de seu
interlocutor não o ter visto. Não é um testemunho da loucura de sua época e,
particularmente, da moralidade estadunidense, as imagens do sexo da pequena filha
do casal sendo banhada serem desfocadas, dentre outras cenas de crianças em
filmes domésticos? Para Paul Schrader, Paul conseguiu a melhor performance da
história do cinema com O Indomado. Para ele a primeira vez que um
personagem de maus instintos é apresentado sem qualquer desculpa e não se
consegue descolar o olhar dele em nenhum momento. Um dos melhores comentários é
o de uma das filhas de Newman, a respeito da foto de seus pais com Martin Luther
King, e a cara de ressaca do pai, que a faz detestar a foto mais que ter
vontade de emoldurá-la e por na parede. Há uma cena na abertura de Venus à
Venda em que passageiras de um ônibus comentam se a mulher que atravessa a
rua seria Kim Novak ou Jayne Mansfield, mas o motorista afirma ser “ninguém”,
somando-se a das mulheres que comentarem sobre ela, quando a viram ao lado de
Newman e o próprio comentário de Woodward sobre si própria. E este, que
Woodward considera um de seus melhores filmes, teria sido transformado em algo
abominável após a morte de seu produtor, Jerry Wald, durante a produção, e sua
remontagem orientada por Zanuck. E ela demonstra um ressentimento genuíno para
com o célebre produtor, afirmando esperar que ele não descanse em paz. Hawke
traz a questão importante à baila, quando casaram, ela era a estrela, mas foi
rapidamente evanescendo, enquanto Newman se tornava a longeva estrela das telas
e ela cuidava da comida dos filhos. E sua persona no filme, visualmente, parece uma referência menos a citada Mansfield,
que a recentemente falecida Marilyn Monroe. E o comentário final de Woodward é,
de fato, um tanto o resumo da ópera. Ela não havia deixado ninguém se interpor
em sua carreira até o nascimento dos filhos.
The Legend of Paul Leonard Newman. A explosão do estrelato da
fama do ator, as multidões que o cercam, quando os Beatles são indagados sobre
quem gostariam de conhecer, em sua primeira viagem aos Estados Unidos,
citam-no. A interpretação que irá se colar ao ator, concordam Hawke e Sam
Rockwell, é a de Rebeldia Indomável, tal qual Nicholson em Um Estranho no Ninho ou De Niro em O Touro Indomável. Pela época,
Rosenberg, o diretor, acredita haver dois atores com sex-appeal em Hollywood,
ele e Steve McQueen. E é uma cena desse filme que faz sua filha Melissa sempre
se emocionar com a emoção em cena do pai, embora não saiba exatamente que
visões de seu passado acessou naquele momento – e observamos fotos da infância
do ator. É curioso como o filme cola a imagem da primeira esposa de Newman,
Jacqueline Witte, que não era atriz, a de uma atriz relativamente pouco
conhecida (algo a ajudar nesta transposição), Ina Balin, em Paixões Desenfreadas. E Witte
afirma o quão a mãe de Paul era completamente inconsciente de quão opressora
era. Inclusive, afirmando, durante os funerais do marido, o quão popular Paul
sempre fora com as mulheres e indagando do irmão dele que elas nunca o
chamavam. E Paul afirma que um dia em um carro com a mãe, esta afirma saber o
motivo da nora não gostar dela, é porque ela sabia do seu caso com Gore Vidal.
Ele pediu para a mãe descer do carro ali mesmo, em meio a um cruzamento em Nova
York, e ficaram 15 anos sem se falar. Stephanie Newman possui uma tatuagem no
braço com o nome da madrasta, Joanne. E emocionada explica o que a madrasta
representou para ela, sempre mantendo contato onde estivesse. Ritt considera a
interpretação de Newman em Hombre uma das melhores de sua carreira, mas
ele não gostava. A cena célebre de Butch Cassidy é observada,
demonstrando o salto dos atores ser, na verdade, para uma estrutura de madeira.
A experiência marcante de Rachel, Rachel para uma estrela um tanto
outsider quanto Woodward, afastada das telas para cuidar dos filhos e sem a
menor preocupação de se apresentar fazendo tricô em programas de entrevistas.
Esta longeva produção foi resultante de uma série de gravações de Newman sobre
sua própria vida, posteriormente destruídas por ele, mas como lembrará Hawke,
não antes de terem sido transcritas, fornecendo a matriz básica para esta
realização. E, num ramo tão massificado quanto se possa imaginar, percebe-se o
diferencial até mesmo no modo como os créditos são dispostos, sobre iconografia
diversificada em cada episódio, ressaltando algo de um cuidado quase artesanal
com que tudo é tratado. Paying the Price. Inicia com os créditos para o filme 500 Milhas (1969), aparentemente, a se fiar no que diz
Hawke, um filme que Newman transformou profundamente, acrescentando situações
de intimidade com a esposa, também sua esposa no filme, em momento de crise
conjugal, e que também o transformaria, despertando nele a paixão por corridas.
Uma das grandes relações problemáticas da vida de Newman, com o filho Scott,
foi incorporada na personagem vivida pelo filho no filme, interpretado por Richard
Thomas (hoje mais lembrado como o John Boy dos Waltons). As filhas falam de uma
situação de alcoolismo, e o próprio Newman admite ter bebido bastante nos anos
70. Em uma reveladora entrevista, fala algo como juntar coisas dos personagens
mais interessantes que viveu para formarem o ser humano que acredita ser. No
auge das tensões crescentes do final da década de 60, Paul foi se tornando
crescentemente liberal. Ele é visto em um debate televisivo ao lado de
personalidades como Martin Luther King ou confidenciando se sentir uma farsa
por ir falar sobre paz para, entre outros, com um policial cujo filho foi
recém-morto no Vietnã. Vidal, próximo do casal como sempre, afirma terem sido
na juventude, como todos os jovens, voltados apenas ao próprio ego, mas com o
amadurecimento profissional também se tornaram mais preocupados com o coletivo.
A criação da First Artists, com Sidney Poitier e Barbra Streisand, uma
tentativa similar a dos astros do final dos anos 10 com a United Artists. E se
a criação da companhia foi para, antes de tudo, ter uma maior garantia de
retorno comercial de seus projetos, também o foi para uma maior liberdade
artística, e esse último esteve associado, sobretudo no período, a uma
inclinação para o comentário político, como em A Sala dos Espelhos,
projeto para o realizador Stuart Rosemberg, encomendado pelo ator. Uma das
melhores memórias de sua filha Stephanie foi o júbilo de Newman ao saber ser
considerado o inimigo de número 19 na lista de Nixon. Para Hawke o filme
simboliza o desejo de Newman de passar sua própria situação de alcoolismo e
instabilidade emocional, tirando partido dramático dela para intensificar suas
interpretações. Woodward também teve a chance de interpretar uma personagem a
interagir com uma figura filial, só que com a própria filha, em O Preço da
Solidão. Against the Sky.
Inicia com uma interessante discussão de Ethan com sua filha, sua preocupação
sobre a aparente falta de foco de sua produção e sobre quem exatamente seriam dos dois, e a filha considerando que numa relação conjugal, além dois
envolvidos existe um terceiro elemento, a própria relação. Somando-se a uma
declaração de Woodward, escutada após, na qual fala que entre seu ego e o de
Paul, haveria um ego conjunto, do casal, sobrepondo-se aos dois
individuais. Os problemas e pressões a
acompanharem Newman durante a atuação e interpretação em Uma Lição para Não
Esquecer. Woodward, por sua vez choraminga sobre seu envelhecimento, para
Martin Balsam, sempre sonhando ainda ser
criança em Lembranças..., dialogando diretamente com sua substituição,
enquanto mulher do personagem de Paul no filme anterior, para a mais jovem Lee
Remick. E se uma das filhas lembra do ultimato de Woodward em relação aos
excessos de bebida de Newman, outra faz questão de lembrar não ser ela tampouco
nada fácil, um tanto mercurial, desgostosa de tudo envolvendo a sua profissão
que não fosse simplesmente atuar, como o caso das viagens de divulgação. O
título do episódio está associado ao final de uma frase de profunda reflexão sobre
os relacionamentos humanos de Rainer Maria Rilke. E enquanto ouvimos a voz de
Gore Vidal sobre casais com interesse em tudo juntos como o caminho mais rápido
para Reno, cidade associada aos divórcios, Woodward afirma em um programa de
entrevistas não ter nenhum interesse partilhado com Paul. Uma das coisas mais
admiráveis na personalidade de Newman, para Scorsese, era seu senso de humor
infantil, lembrando-o imediatamente da comédia e terceira parceria com George
Roy Hill, Vale Tudo (1977). Segundo Hawke aproximou-se muito mais de um
retrato sobre o ser americano que o pretensioso A Sala dos Espelhos. Uma cena feita com
Joanne, na qual ela teria se virado para a equipe e disse não querer outra Sybil,
série curta para a TV, que Sally Field, teria mudado sua [de Field] vida.
Interpretando o nascimento do star system como Buffalo Bill em Oeste
Selvagem, de Altman, ao mesmo tempo que paradoxalmente simbolizando para o
ator a morte deles, incluindo a sua própria persona e a de outros astros do
mesmo porte. A morte do filho de Newman, Scott, por overdose. Ouvimos o relato sobre a culpa em relação à morte do filho e como o ator se comportou no
sepulcro do filho por Newman e Woodward, respectivamente, enquanto observamos cenas melancólicas do
ator em Quinteto, outro filme dirigido por Altman, levando o cadáver de
uma mulher, em meio a uma paisagem glacial, até o rio. Luck is an Art.
Uma das filhas de Newman se diz culpada por desconstruir a narrativa conto de
fadas do casamento dos pais embora, ao mesmo tempo e acertadamente, acrescenta
que eles merecem algo mais que isto. Woodward não perde a empolgação nos
diversos telefilmes que atuou, geralmente com os jovens protegidos seus no
elenco, com quem trabalhara aulas de interpretação. É algo tocante ou
morbidamente premonitório, a depender da visão, observar Joanne comentando a
respeito do papel que interpreta, o de uma mulher vítima de Alzheimer, doença a
acometer a mãe na época e ela responder a respeito disso numa entrevista, sobre
a hereditariedade da mesma, sabendo-se que no momento desta produção vir a
público, ela se encontrava acometida pela doença. Sidney Lumet compartilha as
dificuldades inicias com a memorização
dos diálogos por Newman em O Veredito e, numa conversa a dois, Lumet
afirmou que o problema não eram os diálogos. Ele teria que tomar uma decisão,
referindo-se aos problemas do ator com o álcool. Newman passou a emprestar sua
imagem para uma série de produtos e com o valor arrecadado financiar uma
instituição para acolhimento de crianças viciadas em drogas, com câncer ou
AIDS. Ele vai ao programa de David Letterman, e Letterman conversa com Hawke,
inclusive sobre sua visita e o quão tocante fora, a instituição. Tendo sido
indicado várias vezes ao Oscar, Newman nunca havia ganho, inclusive quando era considerado
favorito, por O Veredito. Há um momento digno de nota neste episódio,
quando Zoe Kazan reverte sua posição e indaga de Hawke o quão a feitura deste
documentário refletia nele próprio, e ele inicia uma resposta mas aparentemente
se emociona. Algo a fugir tanto do riscado do restante do documentário, quanto
observar extremamente interessado, corpo curvado e mal contido de admiração na
poltrona, para ouvir as palavras de encanto de uma idosa Woodward sobre o
marido no programa de James O final da jornada de ambos é encenada em Cenas
de uma Família (1990), de James Ivory, décimo sexto e último filme que o
casal contracena. Richard Linklater fala sobre sua paixão por A Cor do
Dinheiro, espécie de sequência para Desafio à Corrupção, visto umas
20 vezes por ele, ao ponto de saber a maior parte das falas decoradas.
Finalmente ao ganhar o Oscar por A Cor do Dinehiro Paul...não vai à cerimônia, fazendo
a felicidade uma vez mais de Hawke e Linklater, ao se referirem sobre o
episódio. E por falar em episódio, este último se torna menos interessante
porque parece cumprir um ritual tipicamente americano, de valorização em última
instância, no discurso de uma das filhas, da mulher de praticamente sua vida
toda, a respeito dele e com quem, aliás, refaria os votos de união, em
inusitada cerimônia, comentada por alguns. E como em boa parte das ficções,
letras sobre a imagem vão traçando as últimas informações sobre o casal, como
Newman ter descoberto câncer terminal apenas 9 dias após Woodward ter sido
diagnosticada com Alzheimer, ao som de God Only Knows. Há uma
recorrência no discurso de Newman sobre a sua lida com o tempo não ser
exatamente cronológica, e mais como um fluxo ininterrupto. |Nook House
Prod./Under the Influence Prod. para CNN+/HBO Max. 360 minutos.
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