Filme do Dia: Vidas Amargas (1955), Elia Kazan
Vidas Amargas (East of Eden, EUA, 1955).
Direção: Elia Kazan. Rot. Adaptado: Paul Osborn, a partir do romance de John
Steinbeck. Fotografia: Ted D. McCord. Música: Leonard Rosenman. Montagem: Owen
Marks. Dir. de arte: James Basevi & Malcolm C. Bert. Cenografia: George
James Hopkins & William Wallace. Figurinos: Anna Hill Johnstone. Com: James
Dean, Julie Harris, Raymond Massey, Burl Ives, Richard Davalos, Jo Van Fleet,
Harold Gordon, Albert Dekker, Lois Smith.
O instável Cal (Dean)
sempre foi considerado a ovelha negra da família Trask, cujo religioso pai,
Adam (Massey), devotado única e
exclusivamente ao trabalho como fazendeiro em um rancho desde o que se supõe
ter sido a morte de sua mulher, observa no fllho dileto Aron (Davalos) a continuidade de sua empreitada.
Aron se encontra noivo de Abra (Harris). Porém Cal descobre através de um
errante que sua mãe se encontra bem viva, e é dona do bordel mais bem
frequentado de toda a região, indo conhece-la. Kate (Van Fleet), após a aversão
inicial, aproxima-se do filho. Ela mora em outra localidade e pede que mantenha
em segredo sua existência para o restante da família. As coisas vão de mal a
pior com os negócios do pai, quando sua tentativa de transportar legumes congelados
em um trem literalmente vira água e ele tem uma despesa de 5 mil dólares. Cal
resolve então buscar um empréstimo com a mãe para plantar feijões, aproveitando
que o país entrou em guerra contra a Alemanha. Abra se sente cada vez mais
atraída por Cal e os dois trocam um beijo em um parque de diversões. Nessa
mesma noite, numa briga em defesa de um alemão, Gustav (Gordon) que passa a ser
hostilizado pela comunidade local, os dois irmãos se desentendem e Cal surra o
irmão. O saldo de seu esforço imenso é reunido na quantia que havia sido
perdida pelo pai como presente de aniversário surpresa. Esse, no entanto, reage
de forma negativa, dizendo que não iria se beneficiar com o sofrimento alheio
dos que partiram para a I Guerra. Cal se desespera e após ser flagrado em um
momento de aparente intimidade com Abra por Aron, uma nova briga entre os
irmãos faz com que Cal leve Aron a conhecer sua mãe. Esse, descontrolado e
suicida, alista-se na guerra, sendo que sempre fora o mais intensamente
contrário da família. O pai, com o choque, é vítima de um derrame. Mesmo
praticamente imóvel e sem reação em seu leito, Adam escuta os conselhos que
Abra lhe dá e pede que o filho dispense a enfermeira e passe a cuidar dele.
Talvez a obra magna de
toda uma filmografia repleta de filmes influentes, que possivelmente apresentassem
a melhor dramaturgia do período, sem cair nas armadilhas do discurso liberal
com a qual se encantaram tantos outros realizadores de maior ou menos
prestígio, incluindo ocasionalmente o próprio Kazan (caso de Sindicato de Ladrões). De fato, como
poucos antes ou depois dele, o filme tece não apenas uma trajetória invertida
do que seria a exaltação do Sonho Americano, como igualmente deposita nas
figuras do personagem mais marginalizado em toda a família, a compreensão mais
ampla sobre o papel de cada, assim como a hipocrisia sobre o qual tais valores
foram erguidos. Deixando evidente os traços da influência bíblica com que
Steinbeck traçara seu drama edipiano, observamos gradualmente o tratamento
distinto reservado aos irmãos forjar a própria desestruturação familiar com um
nível de universalidade que em muito parece transcender exercícios equivalentes
de realizadores talentosos como Douglas Sirk (Palavras ao Vento), Richard Brooks (Gata em Teto de Zinco Quente) e, em menor medida George Stevens (Assim Caminha a Humanidade, com o mesmo
Dean) que, outrossim, também parecem se beneficiar da empreitada já posta por
Kazan. Trata-se, provavelmente, do modelo que seria menos confiável a
influenciar uma minissérie melodramática. E o que mais se defronta com seu tema
sem grandes arrodeios, na jugular mesmo do que se encontra em questão. Seja no
sorriso cúmplice em que mãe e filho se auto-reconhecem enquanto párias sociais,
seja quando Cal joga o irmão sobre a
mãe, prostituta aposentada ou o que essa demonstra o quanto conseguiu vencer na
vida, e inclusive ser capaz de emprestar dinheiro para reerguer os negócios do
ex-marido, revoltando-se contra a “vidinha” medíocre ao qual o marido pretendia
mantê-la subjugada, enquanto mais um bem de sua propriedade. Percebemos o
influxo das mudanças de relações entre os personagens a partir dos novos
elementos postos em jogo, demonstrando a transitoriedade complexa destas
relações mesmo quando fundadas em aparentes imobilismos necessários para a
manutenção do mundo material e até mesmo psíquico, sendo provavelmente a saída
final uma imposição do estúdio frente a obra de Steinbeck, vindo a ser essa a
sua melhor adaptação dentre todas as suas obras. Lidando com o universo da tela
larga e das cores saturadas, algo
etéreas em seus traços de um sutil enevoamento, o filme apresenta imagens
poéticas como a do comboio ferroviário que leva os sonhos precocemente
frustados do pai e Kazan tira partido dramático do mesmo a partir dos momentos
em que o personagem de Dean se joga prostrado aos pés do pai ou da mãe,
tradução vulnerável e indefesa para o que em Brando se expressava na
virilidade. Talvez um dos maiores testemunhos da pluridimensionalidade de seus
personagens se encontre na forma como Harris dá vida a uma Abra ao mesmo tempo
atenta e doce as demandas do pai e do
namorado, mas sexualmente motivada pelo que de inesperado poderia emergir de
Cal – algo que demonstra precocemente, ao tentar apressar o casamento com Aron
ao perceber o olhar de Cal sobre eles, quando vivenciam seu momento de
intimidade no depósito de gelo. E Harris efetua tudo de maneira discreta, sem
os cacoetes excessivos que o método de
interpretação impinge a Dean. Os suéteres vestidos por Dean associados à sua
própria imagem inescapavelmente evocam muito mais os de um adolescente dos anos
50 que do período retratado pelo filme. Warner Bros. 118 minutos.
não me lembro ter visto esse clássico gostaria de assistir mas não sei como e?
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