Filme do Dia: Os que Sabem Morrer (1957), Anthony Mann

 


Os que Sabem Morrer (Men in War, EUA, 1957). Direção: Anthony Mann. Rot. Adaptado: Philip Yordan & Ben Meddow, a partir do romance de Van Van Praag. Fotografia: Ernest Haller. Música: Elmer Bernestein. Montagem: Richard C. Meyer. Dir. de arte: Lewis Jacobs. Com: Robert Ryan, Aldo Ray, Robert Keith, Phillip Pine, Nehemiah Persoff, Vic Morrow, James Edwards, L.Q. Jones, Scott Marlowe, Adam Kennedy, Race Gentry, Walter Kelley, Anthony Ray.

1950. O Tenente Benson (Ryan) tenta conseguir chegar as colinas que demarcam a fronteira que os porá à salvo na Guerra da Coreia. O pelotão enfrenta toda sorte de vicissitudes, e encontram no meio do caminho o indisciplinado mas bastante experiente e observador Sargento Montana (Ray), ao lado de um Coronel (Keith), catatônico. Um conflito é gerado, entre Montana, que pretende levar o Coronel de volta a um local seguro e a importância do jipe para Benson, que o “confisca” para que sirva para transportar as pesadas munições que carregam a pé até então. No pelotão, amizades se tornam intensas, como a do soldado Kiliam (Edwards), que apoia Zwickley (Morrow), de seus problemas psicológicos. E as provações que já haviam se demonstrado enormes, como atravessar uma área repleta de minas, em que um dos homens tem uma crise de pânico e sucumbe a uma delas, vem se somar a morte anterior do próprio Killiam, um batedor do pelotão, traiçoeiramente esfaqueado pelas costas por um coreano durante um momento de descanso. A provação maior, no entanto, ocorrerá quando chegam no limiar da colina, e pretendem subi-la em missão praticamente suicida. Montana e o Coronel conseguem aparentemente se safar da empreitada, pois Benson devolve o jipe a dupla.

Com o passar dos anos fica visível o quanto essa produção fica encalacrada, a meio caminho entre a mais aberta permissividade, conquistada gradualmente ao longo da década seguinte, e uma Hollywood do passado, mas afeita a protótipos a serem usados sem vergonha em seus filmes. E a frase pela metade “seu filho da...”, repetida mais de uma vez, na boca de homens em profundo estado de tensão, poderia ser considerada uma personificação desse meio caminho. A determinado momento é necessário que uma bomba arranque um pedaço do fone que Benson começava a sentença imprecatória. Porém, outras pistas levam a tal sugestão. Como o conflito interno entre americanos de pelotões distintos, que mesmo caindo no chavão já estabelecido dos “dois líderes” com visões de mundo opostas, uma mais racional, outra mais instintiva, ainda assim protagonizam uma luta esganariçada por interesses diversos que poderia ter resultado em morte, e que afasta qualquer possibilidade de leitura nacionalista chã. Do outro lado, se os orientais são observados a maior parte do tempo como anônimos seres rastejantes, que bem poderiam ter sido vividos pelos mesmos extras representando sujeitos diferentes, e compartilha, além dessa característica, com os índios (bastante comuns no repertório de Mann na mesma década) os ataques com faca pelas costas, tampouco deixa de ser observados retratos de mulheres e familiares que esses soldados guardavam em seus bolsos, depois de mortos, recurso que, aliás, nunca chega a ser utilizado pelos próprios soldados do pelotão, praticamente todos exterminados, para além das vítimas habituais que se poderia esperar – os dois personagens negros para começar e também se suporia o Zwickley de Morrow. O detalhismo da sofrida jornada, de ininterrupta tensão, sem grandes variações dramáticas, e sem tampouco respiros de humor, torna-se um convite para a assistência sem pausas, para melhor sorver de seu efeito. E que abdica de quaisquer shows pirotécnicos de efeitos especiais. Mais que patente é o interesse de Mann sobretudo por seus personagens, suas privações, anseios e formas de sobrevivência. Se algo sentimental emerge do convívio obrigatoriamente homossocial do pelotão, com direito a proteção dos mais fragilizados ao ponto quase de uma relação de afeto para além da amizade, no caso da dupla Zwickley e Killiam, respaldada após a morte do último e a consternação absoluta do primeiro, que passa a portar o capacete do finado, ou ainda da reverência cega de Montana a sua figura paterna do Coronel, a sucessão impiedosa de mortes e a crueza da consideração  de Montana sobre elas, a determinado momento, de que “viraram adubo”, é um tanto impensável tempos antes. E o saque dos cadáveres mortos é algo rotineiro. Fundamental para o sucesso do projeto é o elenco que compõe sua coralidade típica em determinados filmes de guerra. E isso se aplica até as máscaras faciais de seus atores. A cara chupada e cansada de guerra, literalmente, de Ryan, o bonachão de Ray, o rosto encovado do Coronel de Keith, que praticamente não pronuncia uma palavra sequer ou a expressividade de papéis menores como o alegre, jovial e companheiro Killiam, de Edwards, ator negro que conseguira parcialmente driblar os estereótipos, bem antes de Poitier ou a simples formação angulosa do rosto de Race Gentry. E o desespero suicida final da dupla Bernson & Montana poderia ser considerada uma variante, evidentemente menos trágica, de sua contraparte feminina de décadas após, Thelma & Louise. Essa situação de algo entre dois mundos, duas Hollywoods de códigos profundamente diferenciados, também pode ser percebido no uso (bastante parcimonioso) do zoom e em sua bela e nada maneirista fotografia em p&b. Ao final, há uma fraquejada em termos de heroicização, tornada ainda mais patética com o cântico que a acompanha, saído parece que diretamente dos westerns que Mann dirigia com maior frequencia no período. Os primeiros vestígios de vultos coreanos surgem com quase meia hora de filme. Apenas sete anos haviam transcorrido do momento descrito, distância que parece ter sido mais elástica quando se tratou de tematizar a Guerra do Vietnã. O acerto no uso de suas locações, reflete-se em sua reutilização por Altman tempos depois para seu MASH, também ambientado na Guerra da Coréia. Security Pictures para United Artists. 102 minutos.

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