Filme do Dia: Vício Frenético (2009), Werner Herzog

 



Vício Frenético (The Bad Lieutenant: Port of Call – New Orleans, EUA, 2009). Direção: Werner Herzog. Rot. Adaptado: William M. Finkelstein, baseado no rot. original de Victor Argo, Abel Ferrara, Paul Calderon & Zoë Lund. Fotografia: Peter Zeitlinger. Música: Mark Isham. Montagem: Joe Bini. Dir. de arte: Toby Corbett. Cenografia: Luke Cauthern. Figurinos: Jill Newel. Com: Nicholas Cage, Val Killmer, Eva Mendes, Jennifer Coolidge, Fairuza Balk, Brad Douriff, Michael Shannon, Shawn Hatosi, Denzel Whitaker, Nick Gomez, Tom Bower, Xzibit.

O tenente da polícia corrupto e viciado em cocaína, Terence McDonagh (Cage) é encarregado de investigar o massacre de cinco senegaleses em Nova Orleans, pouco após o episódio do furacão Katrina. McDonagh sofre de dores crônicas na coluna desde que saltou de uma altura considerável para libertar um preso, Chavez (Gomez), que se afogaria em pouco tempo com o ritmo da enchente. Sua amante é uma prostituta, Frankie (Mendes). Terence alimenta seu vício, apreendendo drogas de casais que acabam de sair de boates, muitas vezes igualmente bolinando as garotas. Ao mesmo tempo ele dá apoio a seu pai, Pat (Bower), que enfrenta problemas com álcool, assim como sua companheira Genevieve (Coolidge). No auge da investigação Terence é destituído do seu cargo por abuso de poder. Torna-se próximo do perigoso traficante Big Fate (Xzibit) e ao mesmo tempo ameaçado pela dívida que contraiu no jogo através de seu apostador Ned (Douriff). Todos os problemas de Terence acabam se resolvem como em um passe de mágica. Big Fate mata um grupo que também perseguia Terence e depois é aprisionado pela polícia, com a ajuda do próprio Terence, que volta a ser destaque na festa de comemoração da polícia, com sua agora esposa e grávida Frankie. Porém, não perde o hábito da droga e de chantagear casais.

Talvez para o bem e igualmente para o mal o que mais surpreenda nesse filme seja o fato de ser dirigido por Herzog. Bem distante do universo autoral que impregnou tanto seus filmes de ficção quanto seus documentários, Herzog consegue se sair muito bem neste filme, uma discreta “comédia” a partir do gênero noir que, felizmente, nunca abdica de sua aparente seriedade. O fato de conseguir dirigir um filme dentro dos protocolos do cinema de gênero americano, ainda que para ironizá-lo de forma sutil, torna-o  uma espécie de corpo estranho na obra do realizador. Herzog ainda tenta instilar algum estranhamento que remeta a sua própria filmografia, como o modo como os répteis surgem chamando a atenção para si próprios e suspendendo temporariamente o fluxo narrativo, seja no caso de um crocodilo atropelado em uma estrada ou – e mais fortemente – dos iguanas que se encontram sobre a mesa de Terence. Porém, ainda assim o resultado soa demasiado apagado enquanto registro próprio, sinal que pode ser lido como seu “sucesso” dentro de um estilo de produção que, ao contrário das suas, conta com centenas de técnicos envolvidos. Aqui, tudo que faz parte da tradição do noir é explicitado de forma como não era, e nem podia sê-lo, no cinema clássico: o fato de sua amante ser de fato uma prostituta, a ambigüidade no trânsito entre justiça e crime por parte do protagonista e sua reserva de sensibilidade mesmo sendo um “durão”. É nesse livre trânsito entre o herói social e o criminoso de bastidores, entre as virtudes públicas e os vícios privados, que reside a sua força, algo que o próprio gênero já havia explorado com propriedade desde a época clássica (A Sombra de uma Dúvida, de Hitchock, por exemplo), nem precisando contar de fato com algo maior ou menor do que a empostada e quase inflexível máscara que acompanha Cage do início ao final, que também faz, a seu modo, jus aos seus antecessores, Bogart em especial. O modo como Herzog desnuda de forma  caricata os mecanismos narrativos que provocam a virada da situação de desgraça para a glória do herói se dão no momento em que duas de suas maiores preocupações são resolvidas em visitas seguidas a sua mesa. Ou ainda, quando ainda mais inacreditavelmente, ele encontra o próprio jogador de basquete envolvido na aposta na qual lançou todo o seu dinheiro e busca reverter a situação. Uma versão anterior da mesma história, dirigida por Abel Ferrara, foi produzida nos idos da década de 1990 e mesmo que Herzog não tenha visto o filme, o fato do roteiro ser adaptado a partir daquele e assinado por alguém que não ele próprio, pela primeira vez em sua carreira, não apenas põem em questão sua alegação de que não se trata de uma refilmagem, como ao mesmo tempo certifica de vez sua estranheza na carreira do realizador. De todo modo, vale ressaltar que o que era uma odisséia realista por uma Nova York decadente a partir de um culpado paranoico cristão no melhor estilo de Taxi Driver, que certamente o influenciou, transformou-se numa arguta brincadeira com o próprio gênero. Nada melhor para demarcar tal diferença que a comparação entre um Cage relativamente blasée e impassível diante de tudo que vivencia e o caráter atormentado e cheio de “caretas” no melhor estilo De Niro, vivido por Keitel no filme anterior.  Ou ainda o final, em que o protagonista tragicamente morto do anterior se torna o policial condecorado e futuro pai de família. Assim como a própria relação adocicada que Terence mantém com sua “namorada”, nada além do compartilhamento dos prazeres da droga e do sexo no filme de Ferrara. Pressman, foi o produtor de ambos. Edward R. Pressman Film/Lieutenant Prod./Millennium Films/Nu Image Films/Osiris Prod./Polsky Films para First Look Int. 122 minutos.

 

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