Dicionário Histórico do Cinema Sul-Americano#54: Celina Murga

 

MURGA, Celina. (Argentina, 1973). Mais famosa por ter sido orientada por Martin Scorsese em 2008-2009 e ter sido convidada a passar seis semais no set de  Shutter Island [Ilha do Medo], Celina Murga é uma das mais bem sucedidas realizadoras mulheres do Novo Cinema Argentino, hoje trabalhando em seu terceiro longa-metragem. De forma incomum, foca na juventude classe média e alta. Nascida no Paraná, estado de Entre Ríos, ao norte de Buenos Aires, estava determinada a se tornar uma realizadora e foi aceita na Fundación Universidad del Cine (FUC), em San Telmo, Buenos Aires, estudando sob os aspícios de seu fundador, Manuel Antín. Graduou-se em 1996, após o que escreveu e dirigiu uma série de curtas, incluindo Una Tarde Felíz (2002) e Interior-Noche (1999), antes de realizar seus primeiro longa, Ana y los Otros (2003).

Em alguma medida autobiográfico, em que uma garota na faixa de seus 25 anos, Ana (Camila Toker), volta à casa, na província relativamente calma de Paraná, proeveniente da capital, Ana y los Otros é um retrato tanto muito respeitoso quanto naturalista, revelando gradualmente que a personagem central está buscando por seu antigo namorado, Mariano. No caminho passa duas noites com Natalia (Natasha Massera), que é casada e possui uma filha jovem; e algum tempo com o ex-melhor amigo de Mariano, Diego (Ignacio Uslenghi), que revela se encontrar apaixonado por ela; e na última cena do filme, ambientado da cidade de Victoria, torna-se amiga de um jovem garoto, Matías (Juan Cruz Díaz la Barba), que é vizinho de Mariano. O filme é estruturado enquanto "road movie", começando com uma série de planos tirados de veículos em movimento, durante o retorno de Ana de Buenos Aires a sua cidade natal, após quatro anos. No Paraná atravessa a cidade, rumo a uma praia, às margens do Rio Paraná, onde encontra uma garota de 17 anos. Posteriormente, Diogo a leva de volta ao lugar de Natalia, depois de terem aparentemente conversado, e na viagem final do filme, Ana se desloca a Victoria. 

Cada encontro desenvolve uma discussão sobre amor e revela um pouco mais sobre a busca de Natalia, sua solidão e a natureza humana em geral. Ela orienta Matías em como chamar uma garota para um encontro, e lê uma manchete de jornal para ela, pedindo que ela explique a linguagem complicada sobre os bancos e o governo. Essa é virtualmente a única alusão à crise financeira na Argentina é um dos exemplos que poderia ser citado da sutil e episódica abordagem ao cinema narrativo de Murga. Tal desdramatização não apelou a ninguém, e após Ana y los Otros, que estreou no Buenos Aires Festival Internacional de Cine Independiente (BAFICI), não foi lançado na Argentina até anos depois (2006). Apesar disso, foi exibido em numerosos festivais internacionais de cinema, incluindo TIFF (Toronto), Rio de Janeiro, Veneza, Viena, Londres, Tessalônica (Grécia), Nantes (França), e Roterdã (2004), e foi lançado em salas de cinema na França. Murga recebeu um prêmio especial no BAFICI, e recebeu o prêmio FIPRESCI, para Melhor Filme Latino Americano no Rio, o prêmio de Melhor Direção em Tessalônica, e menções especiais nos festivais de Veneza e Viena. 

Com seu segundo longa, Una Semana Solos (2007), co-escrito e produzido por seu marido, Juan Villegas, Murga continuou a trabalhar em um modo narrativo similar, de aparente livre fluxo, mas mudando sua perspectiva para a classe alta. Manteve seu interesse nos jovens e apresentou uma vez mais o quão bem pode dirigir crianças, aqui entre a idade de quatro e o final da adolescência. Em uma comunidade fechada, após seus pais terem partido de férias, as crianças convidam seus primos e vizinhos a sua casa, eventualmente invadindo uma "festa" na casa vizinha. Uma dimensão de classe é injetada, por ter a governanta residente, Esther (Natalia Gomez Alarcon), visitado por seu irmão mais jovem, Juan (Ignacio Gimenez), que inicialmente tem sua entrada barrada para o complexo, pelos guardas da segurança. A situação das crianças sem tutela, entregue as suas próprias artimanhas, tem se tornado crucial desde a adaptação de Peter Brook Lord of the Flies [O Senhor das Moscas], de William Goulding em 1963, e a versão de Murga é relativamente subjugada, embora astutamente comentando sobre os privilégios que advém da riqueza e como os menos privilegiados, tais como Juan, podem se seduzir, em se comportar maliciosamente. 

Una Semana Solos estreou em Roterdã e também foi exibido em uma série de outros festivais internacionais, incluindo Locarno, Veneza e Londres, todos em 2008. Após Scorsese ter visto o filme, recomendou que se tornasse uma protegida Rolex, sobre sua mentoria. Para o projeto de seu próximo longa de ficção, La Tercera Orilla, recebeu financiamento europeu, da Alemanha e Holanda pela primeira vez. Scorsese foi produtor-executivo. Ver também NUEVO CINE.

Texto: RIST, Peter H. Historical Dictionary of South American Cinema. Plymouth: Rowman & Littlefield, 2014, pp. 412-14. 

Comentários

Postagens mais visitadas deste blog

Filme do Dia: Der Traum des Bildhauers (1907), Johann Schwarzer

Filme do Dia: Quem é a Bruxa? (1949), Friz Freleng

A Thousand Days for Mokhtar