Filme do Dia: Filho de Boi (2019), Haroldo Borges & Ernesto Molinero

 


Filho de Boi (Brasil, 2019). Direção: Haroldo Borges & Ernesto Molinero. Rot. Original: Haroldo Borges & Paula Gomes. Fotografia:  Montagem: Juliano Castro & Ernesto Kleinman. Dir. de arte Marcos Bautista. Com: João Pedro Dias, Vinícius Bustani, João Carlos Dias, Luiz Carlos Vasconcelos, Avelino Santos, Itamar Cavalcante, Jonas Laborda, Sílvio Junior, Wilma Macêdo, Rita de Cássia Fernandes, AGivanilson Santos, Bruno Araújo, Bernardo Silva.

João (Dias), garoto tímido, que vive ajudando o pai vaqueiro (Vasconcelos), sofre discriminação de outros garotos da cidade, por sua mãe não viver com o pai, e o próprio pai é bastante grosseiro e opressivo com o garoto. Sobretudo quando esse se encanta com o circo comandado por Salsicha (Bustani) e fica inclinado a seguir o grupo, como palhaço.

Nenhuma cena traduz melhor a disposição e a tenacidade, apesar de todos os contras que a paisagem rústica e o meio social acanhado possibilitam, do circo que a do anão fazendo seus exercícios musculares de manhã cedo. Ou pode ser que essa seja uma imagem que o filme proponha evocar em seu público, já que no mundo ficcional, artistas e público não estão tão distantes assim. E o faz de forma discreta, sem arroubos desnecessários de redundância. E o tema do encantamento do garoto matuto pela arte (inclusive circense) não se presta muito a fugas de clichês rotos, que o diga nossa própria filmografia (Tico-Tico no Fubá). A graça dramática do filme muito deve ao dinâmico arco de possibilidades faciais que João Pedro Dias empresta ao seu personagem, do choro que vimos brotando com os gritos do pai até o invocamento e ensimesmamento que gera, sendo continuamente fustigado pelos conterrâneos e passando pela habitual expressão de curiosidade diante do novo mundo, de seus adereços e das histórias que carrega consigo – como o da morte do pai de seu amigo. E de sua recusa ao sorriso (sorrirá a primeira vez com uma hora e dezessete minutos de filme), embora palhaço, que corresponde a uma paralela recusa de se traçar opções populistas demasiado contaminadas por sua própria banalidade, evidenciado igualmente pela recusa de trilha sonora. É bela a forma como o filme constrói a relação entre pai e filho, entre altercações, choro, humilhação, mas também admiração pela faceta artística que parece ter herdado do pai. Mesmo não conseguindo trabalhar de forma muito resolvida o conflito de seu jovem protagonista, o que se pode por na conta de sua idade, trata-se de um arrojado filme de estreia de seus realizadores. Ao longo do filme, paira de forma relativamente sutil, com exceção de determinado momento, o tema da masculinidade – posta em questão pelo pai, e que João replica em relação curiosa à sexualidade de Salsicha. E, se Salsicha cria uma expectativa em relação a estreia do garoto como palhaço, que não ocorre, seja como marcante sucesso ou fracasso, essa opção, que bem pode ser lida – e de fato sê-lo – uma falha de roteiro ou de consecução dramática, pode igualmente ser lida, a contrapelo ou não, como um mero encorajamento do amigo que quer gerar confiança no novato e tímido garoto, desconstruindo a expectativa gerada. Ao mesmo tempo, seu final, na mesma linha, sugere que talvez agora João possua um pouco mais de chão para enfrentar as outras crianças e o próprio pai. Mas o que os créditos finais cravam, uma resistência, soa excessivo e mesmo contraproducente diante do que a fatura do final apresenta. E, sem anteparos, existe momentos que não parecem muito bem resolvidos. Como a alusão à morte do próprio pai de Salsicha no palco (um tributo um tanto estranho, caso o seja), que provoca um impacto no garoto, sabedor da história.   92 minutos.

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