Diretoras de Cinema#2: Barbara Hammer

 


HAMMER, Barbara (1939)*. Estados Unidos. Realizadora experimental, independente e lésbica, Barbara Hammer é responsável pela obra mais substancial de filmes feministas lésbicos. Surpreendentemente, Hammer não passaria a dirigir antes dos 28 anos. Sua formação em psicologia, arte e literatura inglesa. Em 1961 graduou-se pela University of California - Los Angeles, com uma formação em psicologia. Imediatamente começou a pintar e ensinar na Marin County Juvenile Hall. Conquistou seu primeiro mestrado em literatura inglesa na San Francisco State. Em 1967, começou a filmar sua primeira produção, Schizy, um diário autobiográfico sobre sua saída do armário e abandono do estilo de vida heterossexual. Ela abandonou seu marido e viajou pela África de motocicleta, com sua nova parceira. Ensinou alemão e decidiu retornar à graduação para estudar cinema na San Francisco State University, onde conquistou seu segundo mestrado, em 1975. 

Na San Francisco State, Hammer realizou seu primeiro filme em 16 mm, I Was/I Am. O filme reeencena a saída do armário de Hammer, apresentando-a com um vestido feminino e então como uma "sapatona de motocicleta". Nestes primeiros filmes, Hammer foi diretamente influenciada pelo imaginário onírico da pioneira realizadora feminista Maya Deren. Hammer se surpreendeu grandemente quando viu pela primeira vez os filmes de Deren. "Sabia que havia um cinema a ser feito por mim (...) porque eu pensava que o conteúdo que eu tinha a expressar, como mulher, não havia sido plenamente explorado" Hammer disse a Yann Beauvais (p. 34). Ela imergiu a si própria na teoria do cinema e feminista. Realizou treze filmes enquanto estudava para o mestrado. Sua tese, "A Fenomenologia dos Filmes Feministas", é uma análise da representação lésbica no cinema. Seus filmes não são somente de representação lésbica, mas estudos filosóficos sobre a representação do corpo. Foi conectada a realizadoras como Jan Oxenberg, Gunvor Nelson, e Barbara Linkletter, que também realizavam filmes sobre corpo feminino e representação. O ato de "mulheres filmarem mulheres" fez emergir uma série de questões e preocupações filosóficas. Como mulheres na direção poderiam evitar o olhar masculino objetificador que tanto observavam na obra de realizadores underground masculinos? Hammer trabalhou com técnicas representacionais trangressivas que procuraram resolver tal questão, teórica e formalmente. Em muitos de seus filmes ela utiliza imagens dela própria, frequentemente filmando sua imagem nua no espelho, que é um gesto bem sucedido em deslocar o olhar objetificador. Os filmes de Hammer evitam a representação pornográfica através de incorporações oníricas de sobreposições, de imagens da natureza e de deusas, e montagem.

Como Richard Dyer explica, a obra de Hammer explora quatro principais inquietações teóricas: "autobiografia, coletividade, sexualidade lésbica e espiritualidade/natureza." (p. 194) Poderia acrescentar que estes quatro temas sempre se manifestam em contexto temático mais amplo, a fenomenologia do corpo na representação cinematográfica. Dyketatics (1974), X (1974), Women I Love (1976) e Double Strenght (1978) caem livremente na categoria filmes-diários de sexualidades lésbicas. Os filmes eróticos de Hammer se encontram entre algumas das primeiras imagens de amor lésbico realizados por e para espectadoras lésbicas. Filmes tais como Dyketatics e Home Movie (1972), de Jan Oxenberg foram algumas das "primeiras tentativas conscientes de se dirigir a  um público especificamente lésbico" (Weiss, p. 139). Membros da comunidade radical lésbica feminista desejam proteger estas imagens da "apropriação" masculina; portanto, os filmes foram frequentemente exibidos em espaços somente femininos. Enquanto uma feminista cultural, Hammer passou a se movimentar para além do separatismo radical, no entanto, quando explora deusas e religiões antigas e formas alternativas de poder feminino. 

Em filmes tais como Women's Rites (1974), Moon Goddess (1976), The Great Godess (1977), Sappho (1978) e Stone Circles (1983), Hammer exala ecofeminismo e imagens dêiticas, mitos e rituais. Women's Rites é um filme ritual que inclui cantos e rituais regenerativos do outono. Nesse filme, duas mulheres são guiadas pelo poder da lua em uma área deserta espiritualmente desolada. The Great Godess foi filmado em Mendoncino, Califórnia, onde a cobra d'água, um símbolo feminino, aparece todos os dias durante as filmagens. Nesse filme de cura espiritual, três velhas giram em espiral, que simbolizam nascimento, morte e renascimento. Hammer viajou em peregrinação às ruínas druidas na Inglaterra para Stone Circles (1983). No filme, utiliza pixilation, refotografia, enfatizando ângulos congelados, e montagem rítimca de imagens de 5 mil formações calcárias dos dias de veneração às deusas pioneiras. A hipnótica trilha sonora evoca vozes neolíticas através de percussão e melodia celta. Sappho é um reclame de uma poeta lésbica do século VI. 

Uma das obras mais conhecidas de Hammer é Multiple Orgasm (1977). O filme apresenta uma mulher durante a masturbação. Hammer aparece como objeto/sujeito do próprio olhar de sua câmera, fazendo uso de câmera na mão. E. Ann Kaplan comenta que Multiple Orgasm transmite "o êxtase feminino através de som difuso e imagens de paisagens sobrepostas sobre o clítoris" (p. 89) Comentando a respeito da concepção do filme, Hammer disse que "a razão porque fiz o filme é que nunca havia visto a mim própria tendo um orgasmo e eu desejava incluir o que as mulheres não haviam visto antes na tela. Realizei o filme para mim mesma e não para me envergonhar ou cobrir uma parte do meu corpo" (Beuavis, p. 36). Os filmes de Hammer cresceram de uma busca de representação e nomeação lésbica. Suas obras mais recentes possuem natureza mais formal. Como recentemente escreveu em Queer Looks "Uma vez nomeada, e estabelecida a identidade de uma artista enquanto lésbica, desejei me dirigir a outras áreas de expressão que havia deixado inexploradas." (p. 73). Optic Nerve (1985) foi o primeiro filme de Hammer realizado inteiramente em uma prensa ótica. O filme é uma meditação sobre material que ela havia filmado quando visitou sua avó em uma casa de repouso. John Hanhardt, curador de cinema do Whitney Museum of American Art, comentou sobre Optic Nerve:

                                  O sentido de visão torna-se um processo de constante                                                                                 evolução, de rever as imagens recuperadas de um passado e                                                                      fundi-las no eterno presente da imagem projetada. Hammer                                                                        emprestou uma nova voz à longa tradição da meditação                                                                             pessoal na vanguarda do cinema independente americano                                                                          (Canyon Cinema, p 154)

A obra de Barbara Hammer tem sido exibida no Whitney Museum, no Festival des Films des Femmes, em Creteil, França, no Festival de Ann Arbor, muitos festivais de cinema de mulheres e vários festivais gays e lésbicos. Recentemente, iniciou a trabalhar em vídeo com Snow Job: The Media Hysteria of AIDS. Snow Job é uma peça de arte perfomática que se utiliza de múltiplos monitores de vídeo e projetores de cinema. Em 1985, Hammer aceitou seu primeiro posto de ensino no Columbia College, de Chicago. Também ensinou na Evergreen State College em Olympia, Washington. No entanto, retornou a Nova York para seguir com sua carreira em cinema/vídeo. Seus mais recentes filmes incluem Hot Flash (1989), um estudo sobre a menopausa, The History of World According to a Lesbian (1988), uma versão feminista lésbica da história que culmina com a banda Sluts from Hell, baseada em Seattle. Still Point (1989), que ganhou o prêmio Mulheres no Cinema do Festival de Cinema e Vídeo de Atlanta de 1990, é um estudo sobre a ausência de moradia. Sanctus (1990) e Vital Signs (1991) são imagens de arquivos experimentais e manipuladas. Em Vital Signs, vencedor do Grande Prêmio do Festival de Cinema Black Maria, fez uso de imagens de arquivos de raio-x e em Sanctus, clipes de Hiroxima, Meu Amor, de Alain Resnais, intercalados com o texto de Michel Foucault, O Nascimento da Clínica. Hammer é uma das vozes dominantes no cinema experimental americano.

Barbara Hammer continua a manter o espírito visionário. Contou a Ellen Meyers e Tony Armstrong Jr. de seu sonho utópico: "Se tivesse um mega-orçamento, montaria uma escola de cinema para mulheres da diferença: lésbicas, negras, fisicamente tornadas mulheres, velhas, crianças (...) necessitamos de força para aceitar a diferença, vozes diferentes, obras diferentes." (p. 44). Apropriadamente o suficiente, Nitrite Kisses (1993),  diz respeito ao conhecimento feminino e a história da representação lésbica. Hammer é uma  franca artista feminista radical lésbica grandemente visível. Sua obra inicial é recorrentemente tema de diversas retrospectivas de festivais internacionais de cinema e exibições.

Filmografia Selecionada

  • Schizy (1967)
  • A Gay Day (1973)
  • Sisters! (1973)
  • Jane Brakhage (1974)
  • Menses (1974)
  • Women's Rite or Truth is the Daugter of Time (1974)
  • X (1974)
  • Dyketactics (1974)
  • Women's Rites (1974)
  • Psychosyntesis (1975)
  • Superdyke (1975)
  • Moon Godess (1976)
  • Women I Love (1976)
  • The Great Godess (1977)*
  • Multiple Orgasm (1977)
  • Double Strenght (1978)
  • Haircut (1978)
  • Sappho (1978)
  • Eggs (1978)
  • Home (1978)
  • Available Space (1979)
  • Dream Age (1979)
  • Our Trip (1980)
  • Arequipa (1981)
  • The Lesbos Film (1981)
  • Machu Picchu (1981)
  • Pictures for Barbara (1981)
  • Pools (1981)
  • Synch Touch  (1981)
  • Audience (1982)
  • Pond and Waterfall (1982)
  • Bent Time (1983)
  • New York Loft (1983)
  • Stone Circles  (1983)
  • Doll House (1984)
  • Parisian Blinds (1984)
  • Pearl Diver (1984)
  • Tourist (1984-85)
  • Optic Nerve (1985)
  • Place Mates (1987)
  • No No Nooky T.V. (1987)
  • Two Bad Daughers  (1988)
  • Endangered (1988)
  • The History of the World According to a Lesbian (1989)
  • Still Point (1989)
  • Snow Job (1989)
  • Hot Flash (1989)
  • Sanctus (1990)
  • Vital Signs (1991)
  • Nitrite Kisses (1993)
Bibliografia Selecionada
BEAUVAIS, Yann. "Interview with Barbara Hammer." Spiral 6 (janeiro de 1986): pp. 33-38.
CANYON CINEMA. Canyon Cinema Catalogue 7. San Francisco: Canyon Cinema Collective, 1992.
DARGIS, Manohla. "Trying to Mix It Up." Village Voice (16 de março de 1993): p. 37.
DE LAURETIS, Teresa. Alice Doesn't: Feminism, Semiotics, Cinema. Bloomington: Indiana U Press, 1984.
DYER, Richard. Now You See It: Studies on Lesbian and Gay Film. Londres: Routledge, 1990.
FILMAKER'S COOPERATIVE. Filmmakers' Cooperative Catalogue 7. Nova York: Filmmakers Cooperative, 1989.
HAMMER, Barbara. "The Politics of Abstraction." In: (org.) Pratibha Parmar, Martha Gever & John Greyson. Queer Looks: Perspective on Lesbian and Gay Film, pp. 70-75. Nova York: Routledge, 1993.
KAPLAN, E.Ann. Women&Film: Both Sides of the Camera. Nova York: Methuen, 1983.
MEYERS, Ellen; ARMSTRONG JR., Tony. "A Visionary Woman Creating Visions: Barbara Hammer."Hot Wire 7.2. (Maio de 1991): p. 42-44. 
RICH, B. Ruby. "Reflections of a Queer Screen." Journal of Lesbian and Gay Studies 1.1 (1993): pp. 83-91.
SPRINGER, Gregory. "Barbara Hammer: The Leading Lesbian behind the Lens." (Advocate, 07]/02/1980): pp. 29, 35.
WEISS, Andrea. Vampires and Violets: Lesbians in Film. Nova York: Penguin, 1993.
WOMEN MAKE MOVIES. Women Make Movies Catalogue. Nova York: Women Make Movies Inc., 1984. 
ZITA, Jacqueline. "Counter Correncies of a Lesbian Iconography: The Films of Barbara Hammer." Jump Cut 24 (1981): pp. 26-30.


Texto: FOSTER, Gwendolyn Audrey. Women Film Directors. Greenwood: Westport/Londres, 1995: pp. 168-173.

(*) N. do E: Barbara Hammer faleceu em 2019.

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