Filme do Dia: O Cristo Proibido (1951), Curzio Malaparte

 


O Cristo Proibido (Il Cristo Proibito, Itália, 1951). Direção e Rot. Original: Curzio Malaparte. Fotografia: Gábor Pogány. Música: Curzio Malaparte. Montagem: Giancarlo Cappelli. Dir. de arte: Léonidas Maroulis. Figurinos: Orféo Tamburi. Com: Raf Vallone, Rina Morelli, Alain Cuny, Anna Maria Ferrero, Elena Varzi, Gino Cervi, Ernesta Rosmino, Philippe Lemaire.

Bruno (Vallone) retorna da frente soviética na Segunda Guerra para vingar o irmão mais jovem, morto por traição por um membro de sua cidadela ao qual todos pretendem manter silêncio, incluindo sua mãe (Morelli), o homem por quem tem bem mais estima do que o próprio pai, Mestre Antônio (Cuny) ou a sua ex-futura mulher, Maria (Ferrero), que chega a lhe confessar ter dormido com o irmão pouco antes de sua morte, mas que tampouco revela quem foi o criminoso. Ocorre a festa da Madona e Bruno reencontra uma amiga de infância, Nella (Varzi), que não se envaidece de ter sido considerada heroína, ao dormir com alemães para desviar sua atenção e salvar a vida de alguns rapazes do vilarejo. Após a festa ter acabado e Bruno ter desaparecido por alguns dias, Mestre Antônio lhe chama certo dia a sua oficina e afirma que, apesar de ser considerado santo por alguns e louco por outros, ele apenas tenta purgar a culpa por ter assassinado um homem em sua juventude. Ao dizer que fora ele o autor da delação do irmão de Bruno, é morto por este. Enquanto agoniza, afirma para Bruno que não matara seu irmão e que apenas não podia mais viver, atormentado pela culpa. A mãe de Bruno ao vê-lo chegar com as mãos ensangüentadas revela o nome do verdadeiro delator, Pinin (Lemaire), irmão de Nella. Bruno corre até sua casa e este se entrega de bom grado, inclusive levando o rifle ao qual suplica que Bruno lhe mate. Mas Bruno decide não fazê-lo, retornando a sua mãe e afirmando ter o sangue de um inocente em suas mãos.

O filme desde o início demarca o quão longe se encontra do  Neorrealismo de um Rossellini ou mesmo De Sica, com sua fotografia irretocável  e com seu virtuoso travelling aéreo,  que parece soar quase tão estilizada quanto as interpretações teatrais do elenco, a forma afetada e anti-naturalista com que os atores se movimentam, tocam-se ou se olham e a forma como  dizem suas falas, com menção especial para a canastrice de Vallone.  A câmera procura ângulos que sempre deixam entrever seu  virtuosismo,  quase sempre fazendo menção aos “excêntricos”, mais próximos de um Carol Reed do que da produção hollywoodiana contemporânea. Porém, nem por isso soam menos acadêmicos, antes o oposto. Algo que se torna ainda mais ressaltado pelo maneirismo preciosista dos movimentos de câmera, o jogo de luz e sombras na casa de uma pobreza não menos estilizada e a trilha musical. O tema logo se faz despontar: o desejo de vingança pelo irmão morto.  O filme tampouco é destituído de inteligência. Porém suas referências acabam soando demasiado esquemáticas para ganharem maior densidade, como é o caso da festa em que o sagrado e o profano, a tradição milenar e a dominação americana (representado pela feira em que o alvo a ser acertado pelos rapazes são mulheres seminuas com a marca da Coca-Cola) ou local (um operário vestido com adornos tradicionais, mas também um macacão da Pirelli, que a câmera faz questão de frisar) se mesclam. Porém, o que poderia ser o retrato da sociedade italiana pós-fascismo e guerra, torna-se pano de fundo para um bem mais convencional suspense sobre quem poderia ter sido o delator do irmão de Bruno, chegando o filme a quase concretizar uma das suspeitas mais evidentes em sua insuspeitabilidade, Mestre Antônio.  Não seria exagero afirmar que o filme soa como uma mistura um pouco mal costurada de pretensões (neo) realistas com um pictorialismo menos aproximado de um Visconti que de seu predecessor Soldati, ainda que longe da mesma elegância. Destaque para a impressionante imagem da silhueta de Bruno se afastando do campanário onde acabou de assassinar Mestre Antônio, por meio de um caminho sinuante, observado contra o sol nascente. Mesmo com bons momentos, em que o “sangue dos inocentes” ao qual Bruno faz referência ao final parece se materializar retrospectivamente, sob diversas formas, sobretudo na imagem de uma vaca sendo morta com choque elétrico (reminiscente de O Sangue das Bestas), e com algumas menções irônicas à liberdade apregoada pelo pós-guerra, em que o peso do passado dos mortos e do presente da falta de emprego tornam-os tão semelhante ou pior que os anos do Fascismo, sua leitura possui menos um viés político que um abstrata e universal busca de uma parábola cristã, cujo ápice é seu patético final. Único filme de Malaparte, renomado escritor, que foi adaptado posteriormente para o cinema, com A Pele, de Liliana Cavani.  Excelsa  Film para Minerva Film. 100 minutos.

 

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