O Dicionário Biográfico de Cinema#101: Alan Bennett

 

Alan Bennett, n. Leeds, Inglaterra, 1934

Em 1960, quando Beyond the Fringe estreou no Festival de Edimburgo, e nos seus anos gloriosos após, Alan Bennett era o menos conhecido e espetacular da equipe. Hoje, uma consideração poderia ser feita que sua obra e influência cresceram bem acima da dos outros. Mas, como é conhecido...Bennett é a própria imagem da privacidade, e isso por si só o qualificaria para um lugar notável, nessa pesquisa da mais gritante e expositória das mídias. 

Nos idos dos anos 60 havia arrogância, juventude e energia em Peter Cook, Dudley Moore, e Jonathan Miller. Miller era tão plenamente elétrico; Moore estava tonto ao ter vencido a timidez, o piano e o diabo manco da provocação; e Cook não estava tão longe de ser um Don Juan, pronto para ser um bandido. Nessa companhia - e Bennett estava somente nessa companhia então - o homem de Yorkshire de cabelos arenosos parecia alguém que nunca havia conhecido a juventude. Era cauteloso e precavido, um hábil ator de caracterização. De fato, nunca parecia arriscar os vôos de improvisações dos outros. Portanto, nunca tropeçou e teve que se erguer, como eles fizeram. Tinha a palavra certa, a confusão, um escritor.

Bennett se tornou uma figura maior na paisagem britânica, apesar de sua versatilidade, e seu desejo maior de permanecer escondido. Trabalhou muito pouco no que poderíamos chamar "o cinema". Na verdade, ele comanda um lugar, e um grande. Porque ele é uma daquelas pessoas que mantiveram o papel da Inglaterra nos filmes significativo, mesmo quando a indústria da imagem murchou. Tem trabalhado principalmente na televisão. Mas a influência de Bennett é climática. Ele é um amortecedor adstringente, infiltrando-se em todos os lugares - no teatro, prosa e jornalismo, quase no caminho de cheirar o ar de forma suspeita. Bennett é um modelo para que a noção de cautela invernal possa ser a maneira mais segura de lembrar a passagem dos sentimentos nesse mundo temerário. Assim como as obras, talentos, palavras e pausas coletadas de Noel Coward uma vez entregaram uma espécie de vivacidade moral que representava uma época, Bennett é agora característico. Ele pode ser o melhor miniaturista sobrevivente da Grã-Bretanha. Para continuar com Alan Bennett, precisa-se estar na Inglaterra para sempre, pois ele está sempre aparecendo de alguma forma ou maneira, na televisão ou no semanário literário. (Dentre suas outras obras inclui a peça The Madness of George III.) Nada é para ser tratado levianamente: ele é um coletor de pequenas coisas, um gênio do quotidiano, um mestre dos papéis de um só diálogo ou de olhares para fora em meio a uma entrevista. Somente posso listar algumas coisas que dizem respeito amplamente ao cinema:

1. Bennett tem feito roteiros por contrato: The Insurance Man (85, Richard Eyre); A Private Function [Meu Reino Por um Leitão] (85, Malcolm Mowbray), sobre a valorização de um porco na provinciana Inglaterra do pós-guerra; Prick Up Your Ears [O Amor Não Tem Sexo] (87, Stephen Frears), seu trabalho menos hábil, na qual escolhe dramatizar o inquérito de John Lahr sobre a vida do dramaturgo Joe Orton e, portanto, perde bastante da vida.

2. Em seguida, tem feito roteiros como se fosssem do coração. Em particular, aquelas duas obras que salvaram a reputação de John Schlesinger nos últimos vinte anos: An Englishman Abroad (84), que é derivado do encontro da atriz Carol Browne com o espião exilado em Moscou, Guy Burgess; e A Question of Atribution, extraído de uma peça do próprio Bennett sobre Sir Anthony Blunt, guardião acadêmico das pinturas da rainha - que incluem uma deliciosa, onírica e bastante subversiva conversação entre Blunt e SMR (*) (James Fox e Prunella Scales; ainda que tenha sido o próprio Bennett e a Sra. Scales no palco londrino).

Ostensivamente, Bennett, o homem de Yorkshire, filho de um açougueiro, e depois jovem acadêmico de Oxford, é alguem receoso longe da Londres NW1 (**) ou Yorkshire, é um patriota, assim como um determinado e sombrio solitário. Abaixo da comédia de duas peças/filmes, há tanto de uma paixão magoada pelo  desejo de refazer a Inglaterra e certa melancolia por condutas sexuais irregulares. Bennett somente se interessa em escrever sobre o fracasso. "Existe algo mais?", poderia perguntar queixosamente. E assim o triunfo passageiro de Burgess e Blunt - em viverem bem e em conhecer a graça de Tiepolo - é ainda mais afetuoso, porque são um ponto perdido na Inglaterra de Bennett. Essas foram obras bastante astutas, como convém as histórias sobre espiões.

3. Há as "peças" escritas para televisão, especialmente a série de cinco feitas em 1978-79: Me, I'm Afraid of Virginia Woolf (Stephen Frears), narrada por Bennett, um estudo sobre saúde, felicidade e infatigável mal estar; All Day in the Sands (***) (Giles Foster, produzido por Frears), sobre a desolação das escapadelas à beira-mar; One Fine Day (Frears); The Old Crowd (Lindsay Anderson, produzido por Frears) e Afternoon Off (Frears).

Essas são grandes obras de Bennett, peças sobre uma sociedade e o seu lento suspiro em direção à morte. Não é coincidência que as peças precedam à violência da Sra. Thatcher e parecem sentir o último refluxo da Velha Inglaterra a apreciar sua decência monótona. As histórias são fúteis, a atuação é comunal. E essas peças são também a melhor obra que Stephen Frears jamais fez - uma pergunta incômoda para ele, sobre porque ele foi para a América.

4. Talking Heads, seis monológos dramáticos - não, adramáticos - feitos pela TV BBC em 1988. Essas são vidas estilhaçadas, não importando que as peças quebradas sejam mantidas juntas educamente, no modo como um humilde soldado no Somme, pode ter mantido suas partes privadas esperando por sua volta como cirurgião. Eles duram de 30 a 50 minutos, com um personagem falando ou suspirando para a câmera - capturam a intimidade aflita nas quais, na TV, pessoas solitárias de idade falam para elas próprias, como se fosse uma entrevista. A forma é tão pungente quanto as palavras e as interpretações. Assistir os seis em sequencia é chorar por certa energia explosiva que destruiria a gentileza de uma vez por todas. Há uma passividade aqui que pode ser posta na conta da mais profunda limitação de Bennett. Mas são seis belos retratos melancólicos:

Maggie Smith em Bed Among the Lentils (Bennett); 

Patricia Routledge em A Lady of Letters (Foster); 

Stephanie Cole em Soldiering On (Tristram Powell); 

Thora Hird em A Cream Cracker Under the Settee (Stuart Burge); 

Julie Walters em Her Big Chance (Foster); 

o próprio Bennett em A Chip in the Sugar (Burge).

Bennett permanece uma importante figura da cultura britânica, um escritor, um performer, e uma presença de longe mais confiável e amada que o trabalho farpado realmente merece. Adaptou sua própria peça para o filme, The Madness of King George [As Loucuras do Rei George] (95, Nicholas Hytner), e em 1996 uma segunda série Talking Heads foi ao ar na BBC. Esta série foi tão requintada quanto a primeira, mas a melancolia e se voltar para o crime e o suicídio, bem mais marcados.

Em anos recentes, tem escrito The History Boys [Fazendo História] (06, Hytner) e The Habit of Art (10, Hytner)****


Texto: Thomson, David. The New Biographical Dictionary of Cinema. Nova York: Alfred A. Knopf, 2014, pp. 217-20. 


(*) N. do E.: SMR= mantendo o acrônimo do texto original, para Sua Majestade Real.

(**) N. do T: referência postal à area central de Londres. 

(***) N. do E: No IMDB como All Day on the Sands

(****) N. do E: No IMDB, o crédito de direção é de Adam Low. 

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