Filme do Dia: Rebelião em Vila Rica (1958), Geraldo Santos Pereira & Renato Santos Pereira

 


Rebelião em Vila Rica (Brasil, 1958). Direção e Rot. Original: Geraldo Santos Pereira & Renato Santos Pereira. Fotografia: Ugo Lombardi. Montagem: Lúcio Braun. Dir. de arte: Geraldo Ambrósio. Com: Hélio Ansaldo, Paulo Araújo, Jaime Barcellos, Xandó Batista, Maria Aparecida Baxter, Lina Belém, Ana Cândida, Celso Faria, Mario Gruber, Newton Mello, Joel Penteado.

Ditadura do Estado Novo. A juventude estudantil de Ouro Preto se rebela após a intervenção que aposenta o diretor da escola, professor Rodrigo, e o substitui por outro, Furtado, de postura autoritária, não possuindo nenhum diálogo com ou apoio dos estudantes, e pretende aumentar em 50% as taxas de ensino, assim como expulsar das repúblicas estudantis os que se encontram com as mensalidades atrasadas. Uma revolta toma forma e o líder dela, Xavier,  faz parte do centro acadêmico da escola. Ele apaixona-se, no entanto, pela filha do novo diretor. A cidade já se encontra em polvorosa, por conta de um sino que passa a badalar misteriosamente de madrugada, artimanha pensada pelos estudantes. Com o acirramento dos ânimos, Furtado decide fechar os centros acadêmicos. Já Silvério, preocupado com suas constantes repetências, invade de surdina a secretária da escola para modificar suas notas, após não contar com a aquiescência de Xavier. E é flagrado por Fortudo no ato. Que não perde a oportunidade de buscar informações do rapaz sobre os insurgentes. Entregando-lhe o plano de ocupação da escola, a polícia chega no momento da ocupação.

Mesmo que a simpática intenção do filme seja a da atualização dos eventos da Inconfidência Mineira (o novo diretor como o Visconde de Barbacena, o líder rebelde Xavier, do diretório dos estudantes como o alferes Tiradentes, o aumento das taxas da escola em 50% como a “derrama” dos impostos e por aí vai) a demonstrar que a inquietude juvenil permanece indelével quase dois séculos após, o que salta aos olhos igualmente, em termos de permanência, é o da presença exclusiva de uma elite branca, com todos os negros em funções serviçais, demonstrando também outras permanências intocadas de nosso sistema social. Poder-se-ia dizer que o filme (fotografado em cores do processo Agfacolor, algo ainda bastante incomum no cenário nacional, ainda que as mesmas tenham sofrido com o tempo ao ponto de se duvidar se é em cores ou não em determinados momentos) compartilha de uma dramaturgia e modo de produção que se encontrava a anos-luz do que emergia de mais interessante no cinema brasileiro daquele momento, o Cinema Novo, aproximando-se de um diálogo maior com o modelo Vera Cruz, de breve vida e já findo, e algumas das interpretações até mesmo  de antes disso, como algumas produções da Cinédia, mas também há elementos artísticos de uma criatividade bem distinta dos exemplos citados. Não só em sua releitura de uma narrativa canônica de nossa história, como no uso do cancioneiro que o transforma, de certa forma também em um musical, na incorporação de clichês a la Romeu & Julieta, meia década antes da mais célebre releitura do tipo por Hollywood, com Amor, Sublime Amor. E mesmo em tomadas como a que flagra a descida frenética dos alunos em uma escadaria rumo a impedir o fechamento dos centros acadêmicos, observando apenas seus pés. Ou ainda em não se esquivar de todo de apresentar traços da época de sua realização, como é o caso dos figurinos. E se reafirma crenças bastante arraigadas junto ao senso comum, que militância não anda de mãos dadas com estudos e responsabilidades – os vários meses de atraso do aluguel da república,  por outro identifica a repetência pela terceira vez de ano a Silvério, o vilão traidor. Desde que se percebe a leveza com que todo o tema é tratado, saindo de uma conspiração pela independência de um país para a autonomia de uma escola, indaga-se se levará até as últimas consequências a morte de seu protagonista, o que parece antecipado nos temores premonitórios de sua amada. E quando essa se concretiza, se se parece um tanto disparatada em termos de escala, para o universo dramático, não é nada inverossímil em situações de autoritarismo. Sua solução conciliatória final, selada em uma igreja, deixa de fora as responsabilidades pelo assassinato em si do jovem e parecem lançar luzes sobre a liberdade plena de se cometer atos criminosos pelas autoridades, como voltará a se repetir na ditadura militar de 64 (e o filme pode também ser observado como menção velada às tentativas de golpe recentes contra Juscelino), sem qualquer reparação pelos mesmos. Destaque para a opção dramática eminentemente coral, não apenas na música, mas também no enfoque maior sobre o coletivo, que os dramas individuais de seus personagens.  Paralelos podem ser traçados com outra rara visão em cores, no caso em questão do Rio de Janeiro, da época, que foi Orfeu do Carnaval. Cinematográfica Brasil Filmes. 96 minutos.

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