Dicionário Histórico de Cinema Sul-Americano#37: María Llena Eres de Gracia
MARIA LLENA ERES DE GRACIA (Colômbia/Estados Unidos/Equador, 2004). Uma das mais bem sucedidas co-produções sul-americanas, e o mais bem sucedido filme colombiano internacionalmente, ganhando mais de 35 prêmios e sendo indicado a um Oscar - Catalina Sandino Moreno como María para Melhor Atriz - Maria Llena Eres de Gracia [Maria Cheia de Graça], demonstra seu americanismo mais que colombianidade no seu final, com María sendo efetivamente resgatada por imigrantes amigos norte-americanos com os quais havia seguido sua jornada, como "mula" de drogas fora da Colômbia.
María Alvarez é uma garota de 17 anos que vive com sua mãe, avó e irmã com filho pequeno na área rural da Colômbia. A família claramente não é rica, mas tampouco vive na extrema pobreza, e María trabalha em uma fábrica de rosas. As plantações e fábricas de flores são indústria bem conhecidas por sua exploração e ela perde seu emprego de retirar os espinhos das hastes das rosas. Observa uma possibilidade de escapar transportando cocaína dentro de seu corpo para os Estados Unidos. A parte intermediária do filme (o "segundo ato" em termos de roteiro em Hollywood) é devotada a detalhar o processo de ingerir papelotes de cocaína, ensinado à María pelo aparentemente gentil e pensativo traficante Javier, interpetado pelo co-produtor colombiano do filme, Jaime Osorio Gomez. O roteirista e diretor americano do filme, Joshua Marston, falou que havia trabalhado por cinco anos no filme, e que seu roteiro inicial desejava focar na tática do contrabando de armas, em que uma série de mulas, sem necessariamente se conhecerem entre si, estariam na mesma aeronave, na compreensão de que se um fosse capturado, emtão provavelmente os outros escapariam da investigação. Enquanto María está sendo investigada no aeroporto JFK, aonde a cena foi filmada, quando os agentes aduaneiros estão lhe interrogando, um de seus colegas mulas é algemado e escoltado para fora. María não pode se submeter ao raio-X porque se encontra grávida, e, juntamente com duas outras traficantes mulheres, Lucy (Guilied Lopez) e Blanca (Yenny Paola Vego), é agarrada por dois jovens punks assim que sai do terminal. Eles as levam a um quarto de motel, onde terão que expelir os papelotes defecando. Infelizmente para Lucy, que se encontra doente, ela é aberta (fora de cena) para que tenham acesso a sua carga. No "terceiro ato" do filme, María e Blanca escapam para Jackson Heights, Queens, a região da Little Colombia de Nova York, onde temporariamente estão a salvo dos traficantes. Curiosamente, o homem que mais ajuda María, Don Fernando, é interpretado pelo verdadeiro "Don" dos colombianos novaiorquinos, Orlando Tobón. E é aqui que o filme se torna uma espécie de carta de amor aos imigrantes dos EUA, e se pode interpretar a escolha de María por permanecer no país, o que, a essa altura, é o que o público do filme espera que aconteça. Blanca, que é representada no filme como sendo uma personagem covarde e desagradável, e uma influência negativa sobre sua companheira, é barrada na checagem de segurança do JFK e enviada de volta à Colômbia, enquanto María se vira em direção à câmera na medida em que essa passa a segui-la de volta aos Estados Unidos e, esperamos, a liberdade.
O roteiro de Marston recebeu apoio do Festival de Cinema de Sundance, e apesar de desejar realizar a primeira parte no país sul-americano, somente foi capaz de incluir alguns planos documentais de Bogotá, enquanto as cenas foram filmadas no povoado de Amaguaña, Equador, maquiado para parecer com uma pequena cidade colombiana. No entanto, quase todos os personagens colombianos, incluindo aqueles que somente aparecem em Nova York, foram interpretados por colombianos, e a produção foi inteiramente filmada em espanhol. Ele custou aproximadamente 3 milhões de dólares. Finalizado em 2003, estreou na competição dramática em Sundance, o primeiro filme de língua hispânica a fazê-lo, e ganhou o Prêmio do Público lá. Em competição em Berlim, Sandino Moreno ganhou o Urso de Prata (compartilhado) de Melhor Atriz. O filme então angariou uma série de prêmios Primeiro Filme, "Descoberta" ou "Nova Geração", para Marston e Sandino Moreno e, ao final de 2004, foi aclamado na América do Norte, como um dos dez melhores filmes americanos do ano pelo AFI, assim como um dos cinco melhores filmes estrangeiros pelo National Board of Review, também ganhando os prêmios de Melhor Filme em Língua estrangeira das associações de críticos de San Francisco, Seattle, Sudeste, Toronto e Washington D.C. Rendeu mais de 6 milhões nos Estados Unidos e foi visto por mais de 315 mil pessoas na Colômbia.
O aspecto mais interessante do filme é seu retrato da diáspora colombiana em Nova York, e o nível de participação da comunidade (como exemplificado no proeminente papel de Torbón) sugere que o ponto de vista refletido não é nem inteiramente americano nem colombiano, mas do imigrante colombiano. Ao contrário de outros filmes que documentam a jornada dos imigrantes da América Latina para os Estados Unidos, de El Norte (1983, Gregory Nava) a Sin Nombre (2009, Cary Fukunaga), a ênfase em María não é nas dificuldades da terra natal ou na viagem perigosa, mas na luta para permanecer e prosperar na terra adotada. E embora estes filmes semelhantes frequentemente possuam visões equívocas ou negativas da imigração, a visão que María possui é positiva e, sem dúvida, reflete a auto-imagem da diáspora, a decisão de María é observada como positiva e pode ser vista como a ação que a define, personagem ambivalente na maior parte da narrativa, como a heroína do filme. Dado o crescimento das várias diásporas hispânicas nos Estados Unidos nos últimos vinte anos, essa mudança de ênfase não é surpreendente. Noutro sentido, o filme pode ser visto como em transição, já que Marston, como Nava e Fukanaga, nasceram nos Estados Unidos. O próximo passo, a ser visto a seguir, é quando esses diáporas forem realizados por membros das próprias comunidades.
- Contribuições de David Hanley
Texto: Rist, Peter H. The Historical Dictionary of South American Cinema. Plymouth: Rowman & Littlefield, 2014, pp. 387-8.
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