Dicionário Histórico de Cinema Sul-Americano#30: La Historia Oficial


 

LA HISTORIA OFICIAL. (1985, Argentina). O retrato desse drama político da burguesia de Buenos Aires nos últimos dias da ditadura militar serviu, juntamente com Camila (1984, María Luisa Bemberg), para reintroduzir o cinema argentino ao público internacional. La Historia Oficial (A História Oficial) ganhou consagração internacional por sua denúncia da junta, particularmente a prática de apoiadores do regime adotarem as crianças de vítimas "desaparecidas" do estado de segurança. O filme foi dirigido e co-escrito por Luis Puenzo que, após ter realizado dois longas em meados dos anos 70, passou os anos da ditadura fazendo comerciais para a televisão, mostrando um estilo tecnicamente polido do material. Ainda mais responsável pela efetividade do filme foram as interpretações principais por Héctor Alterio e Norma Aleandro, ambos que permaneceram os anos da junta no exílio. Alterio tem sido uma figura de proa no teatro e cinema argentinos durante os anos 60 e primórdios dos 70, estrelando filmes importantes como La Patagonia Rebelde (1974, Héctor Olivera) e La Tregua (1974, Sergio Renán), enquanto Aleandro era uma relativamente conhecida atriz que foi catapultada à fama internacional e status de ícone nacional por essa interpretação.

Ainda que La Historia Oficial tenha sido razoavelmente bem sucedido em seu lançamento inicial, foi somente após o reconhecimento internacional que se tornou um sucesso maior na Argentina. A exposição internacional começou com sua seleção para a Mostra Oficial do Festival de Cannes, onde ganharia o prêmio ecumênico e Aleandro o de Melhor Atriz, e continuou com prêmios do Festival Internacional de Cine de Cartagena (Colômbia), e os festivais de Berlim e Toronto, antes do clímax como a primeira produção sul-americana a vencer um Oscar de Filme em Língua Estrangeira. Também foi indicado para Melhor Filme Estrangeiro pelos Globos de Ouro e Críticos de Cinema de Los Angeles. A Associação de Críticos de Cinema de Nova York premiou Aleandro como Melhor Atriz, assim como os prêmios da academia italiana (Donatello). De volta à casa, o filme ganhou nove Condores de Bronze, incluindo Melhor Filme, Atriz, Diretor e Roteiro. O próprio filme empresta muito do estilo de melodrama das telenovelas (uma mulher descobre que o seu marido não é o que ela pensava e que a vida dela é uma mentira) e é estruturada como um mistério.

Alicia (Aleandro) é uma mulher de classe média alta que nos é introduzida cantando o hino nacional depois de considerar que ela "acredita na disciplina". Completamente, ainda que de forma não completamente plausível, ignorante do papel do estado na violência policial, começa a suspeita que sua filha adotada foi filha de pais "desaparecidos". Sua investigação se torna uma viagem de descoberta, espelhando a da classe média argentina em 1983, na sequencia da derrota da Guerra das Falklands, na iminência da queda da junta militar. Ainda que a figura central no filme, o papel de Alicia é frequentemente escutar passivamente aos extensos monólogos de personagens que representam símbolos do cenário político: um amigo que partiu para o exílio após ter sido sequestrado e torturado, um sogro operário, a mãe de uma "desaparecida", e o marido de Alicia, Roberto (Alterio), que revela ter sido cumplíce das atrocidades. O que ela aprende resulta em sua crescente identificação com os "desaparecidos", tendo como clímax ela sendo agredida por Roberto, numa cena que incluiu a cabeça de Alicia sendo repetidamente batida contra uma parede, e sua mão sendo esmagada contra a soleira de uma porta, evocações deliberadas da tortura.

O filme tem sido criticado por defender que as classes média e alta, em sua maioria, não somente não foram implicadas, mas também eram grandemente inconscientes, dos excessos da ditadura. E é significante que a suplente do público em dramatizar a "Guerra Suja" não seja uma radical de esquerda ou  vítima do período do terror, mas uma mulher que é inclinada a ser simpática ao regime. E é uma estratégia similar a Constantin Costa-Gravas ao usar um cristão conservador, interpretado por Jack Lemmon, como figura central em Missing [Desaparecido] (1982), seu filme sobre o golpe militar chileno de 1973. O que isso faz é sugerir que se um apoiador do regime pode ser persuadido pelos "fatos" do filme, então qualquer membro do público de espírito livre também pode. No entanto, isso também implica que o público burguês do filme, como sua protagonista, não foi cumplíce dos crimes da junta. Além do que, embora exista uma série de referências visuais codificadas à tortura ao longo do filme, não há uma dramatização direta dela. A amiga de Alicia, Anna, detalha a tortura que sofreu, mas é deixado claro que ela não se encontra atualmente ativa. O filme somente pede ao seu público que simpatize com as vítimas inocentes do terror. Na melhor das hipóteses, somente através de insinuação se sugere que há algo errado em se torturar e assassinar aqueles que foram politicamente ativos. A despeito disso, o filme merece reconhecimento por já abordar a questão tão rapidamente após a "Guerra Suja", incorporando imagens documentais das Mães da Praça de Maio, e por Alicia firmemente rejeitar seu marido, símbolo do regime, ao final. Alterio e Aleandro tem, desde então, destacado-se em filmes argentinos e internacionais, mas Puenzo falhou em conseguir algo próximo do sucesso crítico ou comercial aqui conseguido.

                                                                                 ______________David Hanley

Texto: Rist, Peter H. Historical Dictionary of South American Cinema. Plymouth: Rowman & Littlefield, p. 311-13.

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