Filme do Dia: A Múmia (1969), Chadi Abdel Salam

 


A Múmia (Al-Mummy, Egito, 1969). Direção e Rot. Original: Chadi Abdel Salam. Fotografia: Abdel Aziz Fahmy. Música: Mario Nascimbene. Montagem: Kamal Abu Ela. Dir. de arte: Salah Marei. Com: Ahmed Marei, Ahmed Hegazi, Zouzou Hamdy-El Hakam, Nadia Lutfi.

1881. O governo egípcio descobriu informações de um acervo arqueológico de múmias em uma comunidade tradicional de um vale. Diante da chegada das autoridades, a comunidade se divide. Os patriarcas são completamente taxativos que não se busque qualquer contato com os “forasteiros”. Boa parte dos mais jovens, no entanto, pensa diferente. Em meio a essa querela se encontra Wannis (Marei), jovem herdeiro das lideranças tradicionais, após seu irmão (Hegazi) ter sido morto.

Não se pode negar um senso de composição da imagem sensível a essa produção. Imagens como a do jovem Wannis sendo julgado pelos pares mais velhos, isolado dos outros em um estreito corredor de pedra. E já a partir do seu prólogo, algo sinistro em termos de encenação e falas, por mais que apenas expressem a busca por tumbas perdidas de faraós, como é o caso do escuro se confundindo com os próprios trajes pretos dos que discutem, ressaltando em meio a tanta escuridão suas túnicas vermehas. E, ao mesmo tempo, enfatizando uma dimensão algo atemporal e abstrata, ou mesmo ritualístico-mística  em que apenas se observa rostos e mãos, de um discurso que parece menos motivador de possíveis conquistas que prenunciador de alguma catástrofe. Logo se perceberá que tal clima se estenderá para o filme como um todo. Algo que ganha a adesão da música de Nascimbene e de um cuidadoso (e virtuoso) trabalho de câmera. Assim como as áridas pedras em que se movem e vivem seus personagens. Igualmente das interpretações, com falas solenes (e em arábe clássico, algo bastante incomum) e uma sobriedade mesmo quando expressa dilacerações internas, além de carregadas de uma intensidade teatral, adequando-se a encenação como um todo. Essa, por sua vez, emsombreada, reflete igualmente certa obscuridade narrativa. Ao mesmo tempo emana uma interessante tensão proveniente do senso de tesouro nacional – reclamação que boa parte das antiguidades foi levada para o Cairo, para não falar de outros países – contraposto ao próprio senso de pertencimento àquela cultura em questão e, portanto, por extensão aos seus objetos. O filme é mais próximo do ponto de vista da comunidade, sobretudo a determinado momento do herdeiro do líder dessa. Porém, não apenas os laços de servidão tradicionais se tornam enfraquecidos, como demonstra a sequencia em que populares e prostitutas se divertem e pilham do tesouro em comum, como mesmo quando Wannis resolve assumir o papel que lhe foi designado, não há nenhuma reação a transferência dos sarcófagos encontrados, em muita maior quantidade e relativos a várias dinastias e não apenas uma única como previam os especialistas. Se é esperado que algo como um acordo ou vitória dos emissários do Cairo se torne vitoriosa, já que evocativo de uma representação da liderança centralizada típica do estado moderno, o mesmo não se pode dizer da passividade com que se assiste tudo ao final. E, de fato, o que unia populacho e patriarcas era justamente o surrupio gradual das antiguidades, de forma mais escancarada pelos últimos e na surdina pelos primeiros.  De certa forma, não deixa de também punir pela questão nacional implicitamente ao se apoderar de um tema, quase exclusivamente trabalhado por Hollywood e seus derivativos sob a chave das facilidades de gênero (aventura, horror). Aqui, ao contrário, todo o senso atmosférico, carregado de suspense e algo sinistro é erigido muito mais pelas escolhas estéticas. Considerado, provavelmente não sem razão, um dos filmes mais importantes da cinematografia egípcia, embora relativamente pouco conhecido. Surpreendentemente se trata do filme de estreia do realizador. Organização Geral do Cinema Egípcio/Merchant Ivory Prod. 98 minutos.

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