Dicionário Histórico de Cinema Sul-Americano#29: Mario Handler

 

HANDLER, MARIO (Uruguai/Venezuela, 1935). Talvez o mais significativo realizador uruguaio, Mario Handler foi também uma das lideranças do cinema latino-americano dos anos 60. Nascido em Montevideu, Handler estudou engenheria, violino, assim como fotografia, levando-o a ser fotojornalista. Co-dirigiu seu primeior filme amador em 1958 e obteve sua educação cinematográfica na Europa: cinema científico em Göttingen (Alemanha, 1963), depois Universidade de Utretch e, por fim, a FAMU, a escola nacional de cinema tcheca, onde realizou En Prague, uma visão documental da cidade de 15 minutos, experimental e com câmera na mão. Em seu retorno a Montevideu, foi apontado como Diretor do Instituto de Cine de la Universidad de la Republica (ICUR). Sem nenhum orçamento e impedido de comprar equipamentos pela universidade, ainda assim foi capaz de realizar um documentário, Carlos: Cine-Retrato de un "Caminante" en Montevideo (1965), utilizando restos de filme virgem que descobriu, que haviam sido doados pela UNESCO. 

O "caminante" do título se refere a um "vagabundo" que percorre o campo, nomeclatura preferida por Carlos, que certa vez viajou ao longo do Uruguai antes de se tornar um desocupado sem teto, ou bichicome, na cidade portuária de Montevideu. Handler fez amizade com seu objeto, e após filmá-lo por um período de tempo, gravou o áudio das respostas de Carlos às indagações que fez a ele, que se tornaria a trilha sonora do filme. Handler teve que editar as imagens manualmente, já que não havia moviola ou qualquer outra máquina de edição no instituto. A intenção do diretor foi apresentar um retrato da sociedade através da vida de um indivíduo marginalizado. Carlos estreou no festival de cinema patrocinado pelo jornal urugaio radical Marcha (o primeiro filme uruguaio exibido lá) e venceu os prêmios de Melhor Filme Experimental e Melhor Documentário no Festival Independiente del Cone Sur em Montevideu, e o prêmio da Associação de Críticos de Cinema Uruguaios (ambos em 1965), assim como Menção Honrosa para Documentário no Festival Internacional de Cine de Viña del Mar em 1967. 

O segundo filme de Handler na ICUR, Elecciones (1966), foi co-dirigido por Ugo Ulive. Esse documentário focou nas iminentes eleições federais, criticando ambos os partidos políticos do país. Não surpreendentemente, o filme não foi permitido de ser exibido no Festival Internacional de Cinema Documentário e Experimental, em Montevideu, que era patrocinado pelo serviço de transmissões e diversões estatais, Servicio Oficial de Difusión, Radiotelevisión y Espetaculo (SODRE). No entanto, com o apoio de Walter Achúgar, o filme de 39 minutos foi exibido comercialmente em Montevideu. O filme seguinte de Handler, Me Gustan los Estudiantes (1968), possuía apenas seis minutos, mas demonstrou provocar um grande impacto. Uma montagem de manifestações estudantis e repressão policial em Montevideu junto com imagens do encontro de líderes das Américas (incluindo o presidente norte-americano Lyndon Johnson) em Punta del Este, o filme foi saudado com um protesto espontâneo na rua do cinema, por espectadores após sua exibição no Marcha. A obra de Handler estava se tornando conhecida fora do Uruguai. A edição da manhã seguinte do jornal La Nación proclamava "Filme uruguaio provoca tumulto." Um novo tipo de cinema urgente chegou ao Uruguai. Em 1968, Handler ganhou um prêmio em Mérida, Venezuela, e em 1969 recebeu o Prêmio Joris Ivens no Festival de Curtas Metragens de Leipzig (Alemanha). 

Os próximos dois curtas de Handler, Uruguay 1969: El Problema de la Carne e Liber Arce, Liberarse (1970), foram produzidos pela Cinemateca del Tercero Mundo, e entre 1969 e 1971, foi figura bastante destacada nesse coletivo, realizando filmes e cinejornais colaborativos e também ensinando. No mesmo período, também viajou a Argentina, Bolívia e Chile com a RAI (televisão italiana), trabalhando como produtor, cinegrafista, roteirista e dirigiu três episódios da série televisiva Indios, no México. Esse foi também um período de grande agitação política, levando a um golpe militar em 1973, e após co-dirigir mais um curta, Fray Bentos, una Epidemia de Sarampión, Handler, um dos artistas de esquerda mais radicais no continente, exilou-se na Venezuela.

Handler continuou ativo na Venezuela, trabalhando em curtas documentais: Dos Puertos e un Cerro (1975), que contrasta a chegada dos bens de consumo em uma elegante doca venezuelana, com a partida vergonhosa das riquezas da nação, seu minério de ferro, e Tiempo Colonial (1976) ganhou prêmios no Festival de Filmes Curtos em Bilbao (1977) e nos eventos de Caracas e Mérida (1980). Também co-dirigiu um filme examinando o sincretismo religioso popular, María Lionza, un Culto de Venezuela (1980). Handler trabalou em várias funções na televisão e como montador em muitos longas ficcionais venezuelanos, e em 1988 finalmente dirigiu um longa ficcional ele próprio, Mestizo (Venezuela/Cuba), adaptado de um romance escrito por Guillermo Meneses. Handler também produziu, escreveu o roteiro, e montou o filme. No filme, o filho de um aristocrata e uma humilde pescadora negra, José Ramón Vargas, luta para se adaptar aos mundos de ambos, de seus grupos étnicos, e eventualmente abandona sua pequena vila para se encontrar. Durante o longo período de seu exílio na Venezuela, Handler ministrou diversos cursos e desenvolveu seu próprio programa de cinema para computador, assim como um novo sistema para legendagem sincronizada (mas separada) de filmes. Em 1994 foi um professor convidado na Universidade de Stanford, nos Estados Unidos, e também lecionou no Massachussets Institute of Technology (MIT). Em 1998, retornou as suas raízes, dirigindo cinco documentários para a televisão na série Ágora.

Em seu retorno ao Uruguai em 2000, recebeu uma bolsa de 40 mil dólares do Fondo Nacional del Audiovisual (FONA) começou a trabalhar em um longa documental, e em 2002 recebeu um subsídio adicional do Fundo Príncipe Claus, de 30 mil euros. O longa digital, Aparte (2002), no qual Handler circulou entre e filmou jovens e marginalizados, pessoas vivendo em pobreza extrema nos subúrbios de Montevideu por 18 meses, marca um retorno triunfante para o realizador quando foi eventualmente exibido no Uruguai, em abril de 2003. Lidando com um tema controverso, assim como seus filmes dos anos 60, Aparte vendeu 60 mil ingressos e foi exibido sem cortes pela televisão uruguaia. O filme recebeu vários prêmios no país, assim como no Festival Internacional del Nuevo Cine Latino (Havana) e no Festival de Cinema e Vídeo de Direitos Humanos de Buenos Aires (ambos em 2002).

Handler foi indicado como presidente da Asociación de Productores e Realizadores de Cine y Video del Uruguay, em 2001, e  agora é professor efetivo de cinema na Universidad de la República, em Montevideu. Continuando sua reflexão sobre seus problemas políticos e os do país, realizaria outro longa documental, Decile Mario que no Vuelva (2007), que inclui uma entrevista com um antigo membro do exército, que se encontra na prisão por violações aos direitos humanos. Handler "retornou" ao país natal, mas se recusa a esquecer seu passado. 

Texto: Peter H. Rist. The Historical Dictionary of South American Cinema. Plymouth: Rowman & Littlefield, 2014, pp. 306-9.

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