Filme do Dia: Garota Enxuta (1959), J.B. Tanko
Garota Enxuta (Brasil, 1959). Direção:
J.B. Tanko. Rot. Original: Chico Anysio, Herbert Richers & J.B. Tanko.
Fotografia: Amleto Daissé. Música: Remo Usai. Montagem: Rafael Justo Valverde.
Dir. de arte: Alexandre Horvat. Com: Ankito, Grande Otelo, Jaime Costa, Renato
Restier, Nelly Martins, Agnaldo Rayol, Carlos Costa, Lilian Fernandes, Íris
Bruzzi.
Nelly (Martins) é uma garota
paulistana que sonha em ser cantora de programas de televisão no Rio de
Janeiro, algo que seu pai, presidente de uma companhia de automóveis, desaprova.
Ela contará, no entanto, com o auxílio de Aporanga Popó (Ankito) e Otelo
(Otelo), funcionário e astro da emissora respectivamente, que acreditam ser
ela, na verdade, filha do presidente da república, o que faz com que o chefão
da emissora, Lacosta (Restier), que anda as voltas com uma importante atração
musical televisiva a ser produzida, teme ou se empolga, a depender do contexto
– de seu pai ser favorável ou não a sua participação. Quando o mal entendido é
resolvido, tampouco a situação distensiona, já que mesmo ele não sendo
presidente da república, é de uma fábrica de automóveis que anuncia o programa.
Há algo de demasiado certinho nessa
chanchada carioca com tons paulistanos (e parcialmente filmada em São Paulo)
para com suas congêneres mais tipicamente cariocas, tanto na composição da
imagem quanto dos personagens. Em um momento no qual o estúdio carioca que
havia se transformado em sinônimo do gênero começava a sua agonia final, surge
um surto de realizações produzidas por estúdios menores como essa. A marca de
sua distinção para com a tradição do próprio gênero surge em diálogo nada
elegante ao início, quando os produtores do show televisivo que impulsiona a
narrativa especulam sobre os artistas que seriam convidados e quando um deles
sugere Emilinha Borba, o outro retruca com um esgar, embora a própria Emilinha
compareça entre os artistas, sequestro esse que infelizmente não existe em
relação a própria construção do filme. Os tipos e a cafajestagem escrachada
daqueles é aqui substituída pelos sonhos de se fazer carreira na TV, mídia a
qual o próprio cinema paulistano que flertava com o gênero, indo talvez além
dele, já observara pouco antes em AbsolutamenteCerto, de Anselmo Duarte. Os números musicais, em semelhança com tal
“higienização” do gênero abandonam as marchinhas carnavalescas por temas mais
suaves, com estúdios a penumbra e sem participação de dançarinos, somente contando
com os próprios artistas – paralelamente economizando com tal “sofisticação” em
cenários e artistas. E a malandragem do
tipo cômico é aqui estranhamente somada (mesmo que temporariamente) a do galã,
com Ankito cortejando a mocinha desde o primeiro contato de ambos, e já
antecipando uma família ao surgirem em veículo dirigindo pela estrada com os
“filhos” (uma dupla musical de anões) no banco de trás. Logo quando este
apresenta Nelly ao irmão mais jovem Rafael, as estampas similares do tecido e,
posteriormente, a própria música, selarão o escanteio do cômico, que se vê
sobrando com a dupla de anões. Já Otelo é subaproveitado vivendo um personagem
de si mesmo. O primeiro momento em que ele e Ankito contracenam já se vão 50
minutos de filme. Uma sátira de Kubitschek é buscada em moldes bem mais suaves
das que Oscarito havia feito em Matar ou Correr, em relação a Vargas, não se restringindo a empostação menos bem sucedida de Ankito ao
telefone, mas igualmente no fato do pai da heroína ser presidente justamente de
uma montadora de automóveis, um dos carros-chefes da noção de modernização e
progresso associados ao governo Kubitschek. A dupla de anões é tratada como
criança por todos os personagens. Numa de suas poucas tiradas verdadeiramente
criativas a voz de Ankito é suprimida enquanto ele xinga um assistente do dono
da televisão, ainda que a ideia seja mais interessante que a forma que vem a
ser concretizada. Mesmo Otelo sendo homenageado como vivendo ele próprio – sua
trajetória já fora romanceada ao início de sua carreira com Moleque Tião (1943), filme desaparecido
– e sendo o mestre de cerimônia do grande especial televisivo, o racismo não
desaparece ganhando fala de sua própria companheira do espetáculo que indaga se
ele seria um Almirante – cantor e compositor pioneiro do samba – “negativo”. E
tampouco deixa de incorporar em sua trilha O
Teu Cabelo Não Nega, canção pernambucana indevidamente apropriada por
Lamartine Babo trinta anos antes daqui.
E é somente próximo ao final que ocorre uma profusão de números musicais
mais tipicamente carnavalescos no estilo das chanchadas da Atlântida, com
direito a cuíca, tamborim e gingado dos dançarinos que vão na contracorrente do
apresentado até então, selando uma aproximação menos heterodoxa do gênero e,
como se não bastasse, em forma quase de um portpourri
de algumas dentre as mais clássicas marchinhas carnavalescas. De uma maneira
geral, pode-se perceber um movimento que vai de um diálogo mais diferenciado com
o receituário chanchadesco que aos poucos vai se tornando cada vez mais ortodoxo
– o cômico-malandro vai deixando de se tornar o par romântico da mocinha, as
músicas e a encenação carnavalesca voltam a ser imperativas. A representação
dos turistas deitados ao chão filmando as partes baixas das dançarinas de Momo
soa aos dias do século seguinte um passaporte para um imaginário de turismo
sexual já enraizado na sociedade da época, ainda que observado de uma forma
positiva. O motivo para se sabotar a transmissão ao vivo foi surrupiado de Absolutamente Certo. Ao final,
demonstrando sua parcial estranheza junto ao gênero, é um tema romântico que
substitui o número carnavalesco final, na voz de Rayol. Herbert Richers Prod.
Cinematográficas para Sino Filmes. 101 minutos.
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