O Dicionário Histórico de Cinema Sul-Americano#21: Pablo Trapero


Pablo Trapero
 (Argentina, 1971-). Produtor, roteirista e diretor, Pablo Trapero é uma das importantes figuras do nuevo cine argentino que emergiu nos anos 1990. Seus filmes frequentemente focam em esboços de personagens masculinos imperfeitos, disfuncionais e transitórios. Trapero nasceu em San Justo, província de Buenos Aires e foi aluno da nova Fundación Universidad del Cine (FUC), onde realizaria seu primeiro curta, Mocoso Malcriado (1993). Seu segundo curta, Negocios (1995), foi uma versão ficcionalizada de um dia na loja de auto-peças do pai de Trapero. Foi premiado em sua categoria no Festival Internacional de Cine de Mar del Plata, recebendo o diretor como resultado 20 mil dólares de financiamento do Hubert Bals Fund, do Festival de Roterdã, para ajudá-lo a fazer seu primeiro longa, Mundo Grúa (1999). Realizado com pequeno orçamento e em preto & branco e película em 16 mm, e sem o apoio de qualquer agência de fomento argentina, Mundo Grúa teve uma auspiciosa trajetória no universo dos festivais do mundo, e ajudou a lançar o nuevo cine à sério. 

No primeiro Buenos Aires Festival Internacional de Cine Independiente (BAFICI), Trapero venceu o prêmio de Melhor Diretor, e seu ator principal, Luis Margani, ganhou como Melhor Ator. Mais tarde, em 1999, Mundo Grúa ganhou dois prêmios no Festival Internacional de Cinema de Veneza, e Trapero receberia o Prêmio Especial do Júri em Havana. Em 2000, Trapero ganhou o Condor de Bronze de Melhor Diretor Estreante, e Margani Melhor Ator Estreante, enquanto Mundo Grúa ganhou o Prêmio Tigre e o FIPRESCI no Festival de Roterdã, o Grande Prêmio no Festival de Cinema Latino-Americano de Toulouse, além de quatro prêmios em Fribourg. O filme tem sido comparado ao neorrealismo italiano e ao cinema etnográfico; sua proximidade do primeiro é encontrada em sua narrativa episódica e a verossimilhança do personagem operário (interpretado por Margani), a um mecânico de carros amigo do realizador. 

A ilusão de Mundo Grúa ser um documentário se torna ainda mais forte pelo fato de Margani, assim como Rulo, costumavam ser músicos de rock de um único sucesso. No início da construção do filme, guindastes dominam as imagens externas ao fundo, sugerindo uma promessa de renovação urbana, mas Rulo não consegue um emprego em uma construtora, em parte por conta de sua corpulenta figura. Ainda que cenas se desenvolvam em longos planos, ao modo do documentário, Joanna Page insiste que "longe de ser invisível, o trabalho de câmera frequentemente chama a atenção para si mesmo", exisitindo uma intencional reflexividade no filme, caracterizando Trapero como uma espécie de realizador experimental (2009, p. 50).

Ao angariar dinheiro da família e de amigos para Mundo Grúa, Trapero demonstrou sua habilidade como produtor, em 2001, tornando-se um dos produtores executivos do filme de estreia de Lisandro Alonso, La Libertad [A Liberdade]. Também fundaria sua própria companhia de produção em 2002, Matanza Film, que além de ter produzido seus próprios longas tem produzido longas de outros realizadores, à média de um por ano. De forma significativa, a Matanza Cine produziu uma série de filmes de estreia de diretores como Enrique Ballande, Fernando Vargas, Alex Bowen e Marcelo Pavan, e Trapero foi produtor executivo de dois filmes dirigidos por Albertina Carri, incluindo Géminis (2005), que explora de forma sensacionalista o incesto. 

O segundo longa de ficção de Trapero, El Bonoarense [Do Outro Lado da Lei, 2002), continua seu estudo dos malefícios sociais, ao apresentar a corrupção dentro da força policial. Foi criticada a falta de análise, por conta da câmera nunca circular para além das ações dos personagens, mas o público não é encorajado a se identificar com Zapa (Jorge Román), um chaveiro que vive na zona rural, que é levado ao mundo do crime, o que, estranhamente, faz com que se torne estagiário de policial em Buenos Aires. Mais que explorar a personagem de Zapa ou o trabalho interno das forças policiais, a ação ficcional de Do Outro Lado da Lei é apenas observar. Nas palavras do júri FIPRESCI do Festival Internacional de Chicago, premiaram Trapero "por sua descrição crua e descompromissada da jornada de um homem perdido em uma sociedade sem valores." O filme de Trapero estreou na mostra de Cannes Um Certo Olhar e, como seu primeiro filme, viajou de forma bem sucedida pelo circuito internacional, eventualmente sendo lançado em cinemas dos Estados Unidos e Reino Unido.

Para seu terceiro longa, Familia Rodante [Família Rodante, 2004], como o título sugere, Trapero mudou seu foco de indíviduos para um grupo familiar que está viajando com seu motor home de Buenos Aires para Misiones ao norte, onde a avó havia sido convidada como dama de honra em um casamento. A proximidade confinada do campistas força a câmera a ser consistentemente próxima dos objetos mais que nos dois primeiros filmes, e o tema aqui é majoritariamente cômico mais que dramático. Uma vez mais, Trapero teve a honra de estrear em um dos festivais de cinema mais importantes do mundo - Veneza dessa vez - e prêmios vieram dos festivais de Gijón, Guadalajara e Lima. Mesmo não tendo recebido os elogios de seus dois filmes prévios, foi lançado em mais países que seus antecessores (incluindo os Estados Unidos e o Reino Unido). 

O quarto longa de Trapero, Nacido  y Criado [Nascido e Criado, 2006], foi o seu primeiro a não estrear nem em Veneza nem em Cannes, mas foi ainda programado para o Festival de Toronto. Analisa a masculinidade fracassada de forma ainda mais rigorosa que os dois primeiros longas de Trapero, seguindo o estado de Santiago (Guillermo Pfening), um bem sucedido decorador de interiores, que acredita ter matado acidentalmente sua esposa e criança em um acidente de carro. Aproximando-se de formas narrativas mais convencionais, Nascido e Criado permite ao diretor explorar as paisagens desérticas, mas belas, da Patagônia, onde Santiago foge de seu passado. O quinto longa de Trapero como diretor, Leonera (2008), foi convidado para a mostra principal de Cannes. Combina elementos de seus dois primeiros longas - uma narrativa episódica, com elementos centrais do enredo elididos, um personagem central fracassado, estilo de tomadas longas, com sabor documental - com uma nova intensidade elevada. O filme abre com vislumbres das consequencias de um crime: uma jovem mulher de olhar desesperado, Julia (interpretada pela mulher de Trapero, Martina Gusman), possui sangue em seu corpo. Ela é presa e, por fim, condenada por assasssinto, mas nunca sabemos dos verdadeiros fatos sobre o crime. Ela está grávida e opta por manter a criança consigo na prisão, mas sua mãe, em conluiou com o advogado sequestra a criança. A prisão feminina e as aprisionadas parecem reais e a câmera, frequentemente, recua em longas tomadas, observando a ação. O que é novo vem, em parte, da interpretação poderosa de Gusman, fazendo com que o público seja capturado desejando a fuga dela e da criança da (in)justiça. Ainda que Leonera não tenha ganho prêmios em Cannes, recebeu mais de 15 prêmios internacionais, incluindo quatro para Martina Gusman.

Com Leonera e seu sexto longa, Carancho [Abutres, 2010], seu terceiro a ser convidado a Cannes (para Um Certo Olhar), Trapero se tornou o diretor do nuevo cine que melhor combina sucesso comercial e de crítica. Leonera rendeu quase 500 mil dólares nas bilheterias argentinas, enquanto Carancho fez mais de 2,5 milhões, terminando como um dos 20 maiores sucessos do ano e ganhando quatro Condores de Prata da Associção de Críticos de Cinema Argentinos, incluindo Melhor Filme e Melhor Diretor. Ambos os filmes tiveram produção executiva de Gusman, e ela novamente estrelou em Carancho, ao lado do altamente popular Ricardo Darín. Para filmar Carancho, Trapero retornou a sua cidade natal de San Justo, onde havia filmado seus curtas e seus dois primeiros longas. Quintín observou que a Grande Buenos Aires (GBA) tem "de longe a maior concentração de crimes, manipulação política, tráfico de drogas e corrupção policial no país." (2010, pp. 54-5). Então é apropriado que Carrancho (o nome de um abutre dos pampas), foque em um advogado corrupto (Darín) que encena ou causa acidentes de carros para possibilitar que as vítimas reclamem e o paguem, e uma médica (Gusman) que trabalha excessivamente e é viciada em drogas (Gusman),  e que se apaixona por ele. O filme expõe os vínculos entre a polícia e o crime organizado e apresenta como a população mais pobre é a que sempre sofre. Frequente acelerado e violento, e com seu enquadramento em cinemascope e  acompanhamento musical em alto volume, Carancho se filia ao gênero de entretenimento de ação. O sétimo longa de Trapero, Elefante Branco (2012), novamente estrelado por Gusman, estreou na mostra Um Certo Olhar de Cannes, enquanto também era representado por um segundo filme na mesma mostra, tendo dirigido uma das sete partes de 7 Días em La Habana (7 Dias em Havana, França/Espanha, 2012).
 

Texto: Rist, Peter H. The Historical Dictionary of South American Film. Plymouth: Rowman & Littlefield,  pp. 566-8.

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