Filme do Dia: Os Fuzis (1964), de Ruy Guerra


Os Fuzis Poster

Os Fuzis (Brasil, 1964). Direção: Ruy Guerra. Rot. Original: Ruy Guerra, Pierre Pelegri & Miguel Torres. Fotografia: Ricardo Aronovich. Música: Moacir Santos. Montagem: Raimundo Higino. Dir. de arte: Calazans Neto. Com: Átila Iório, Nélson Xavier, Hugo Carvana, Joel Barcellos, Maria Gladys, Paulo César Pereio, Antônio Pitanga, Cecil Thiré.
Um grupo de soldados se desloca para uma pequena vila no interior da Bahia que sofre com os revezes da seca. O objetivo principal é de proteger o armazém de uma invasão da multidão de famintos. Em meio a uma situação de tensão, um dos homens, Pedro (Pereio) atira em um morador local quando mirou na cabra que ele perseguia. Um caminhoneiro cínico, Gaúcho (Iório), tenta incitar a massa faminta a se rebelar contra a situação. Quando observa a passividade com que um homem encara a morte do filho, desespera-se e rouba o fuzil de um dos soldados, Mário (Xavier), enfrenta a milícia, e é morto.
Esse notável filme de Guerra, certamente o melhor de sua carreira, constrói uma atmosfera sufocante e opressiva em que crítica social e apuro estético se casam com uma perfeição rara. Faz uso magistral e extremamente corpóreo de elementos tradicionais da cultura retratada, notadamente o canto das beatas que acompanha boa parte da narrativa, ainda que nem sempre bem sucedido – a exceção é a narração off de um visionário no estilo de Antônio Conselheiro, cuja voz off a maior parte do tempo soa forçosa e artificial. Porém, o que sem dúvida é mais esteticamente primoroso é a virtuosidade dos enquadramentos, recortando a figura humana de modo intenso, mas não só, no sentido de que o local que acaba servindo de apoio para os militares, espécie de forte improvisado, tampouco deixa de ser destacado, a certo momento, através de um belo travelling. Outro exemplo aleatório da precisão de seu recorte está em uma cena que apenas observamos os fuzis nos braços dos soldados, em detrimento deles próprios.  Sua mescla de universo ficcional com elementos abertamente documentais, tais como depoimentos de moradores da região seria intensificada no limite por Iracema, Uma Transa Amazônica (1974), de Jorge Bodanzky & Orlando Senna, que também se apossa do personagem do gaúcho bossal, porém aqui sem o drama de consciência do personagem vivido por Onório, bastante representativo do momento ideológico então vivenciado. Aqui, no entanto, tal “conscientização” do elemento popular não se dá, como nos idos da década, pela via da reivindicação ou de estratégias mais convencionais, mas sim pelo aberto apelo da violência. Curiosamente aqui o ator que o viverá no filme da dupla será Pereio, que vem a ser uma das “vítimas” prediletas do personagem e a situação de uma garota menor que poderia lhe acompanhar durante sua viagem, motivo principal de Iracema chega a ser esboçada. Compõe um díptico juntamente com A Queda (1976). Destaque para a cena inicial, em que o brilho intenso do sol se apossará de toda a imagem, provocando um “incômodo” semelhante ao do início de Vidas Secas (1963), de Nélson Pereira dos Santos. Urso de Prata no Festival de Berlim.  Copacabana Filmes. 80 minutos.



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