Filme do Dia: O Garoto Selvagem (1969), François Truffaut
O Garoto Selvagem (L’Enfant Sauvage, França, 1969).
Direção: François Truffaut. Rot. Adaptado: Jean Grault & François Truffaut,
baseado no romance de Jean Itard, Mémoires et rapport sur Victor de l'Aveyron.
Fotografia: Néstor almendros. Montagem: Agnés Guillemot. Dir. de arte: Jean
Mandaroux. Figurinos: Gitt Magrini. Com: Jean-Pierre Cargol,
François Truffaut, Françoise Seigner, Jean Dasté, Annie Miller, Claude Miller,
Paul Villie.
Um garoto (Cargol) de cerca de dez anos
é visto nas imediações de um vilarejo francês no final do século XVIII.
Aprisionado pelos moradores locais, é internado em uma instituição para
surdos-mudos e objeto de curiosidade do Dr. Itard (Truffaut), que o consegue
transferir para sua residência. Contrapondo-se ao eminente psiquiatra de então,
Pinel (Dasté), que acredita ser o garoto um demente, Itard pensa que seu
comportamento estranho é decorrente da falta de convívio com outros seres
humanos. Com o auxílio de sua governanta, Madame Guerin (Seigner), inicia a
árdua tarefa de humanizar o garoto. Aos poucos ele sente a necessidade de vestir-se, por conta do frio, de alimentar-se
segundo as convenções, de brincar e descobrir os sentimentos – chorando quando
é repreendido arduamente pelo cientista. Todos os passos do garoto, que recebe
o nome de Victor, são registrados pelo Dr. Itard em seu diário. Certo dia,
indignado por ter interrompido seus passeios diários com Itard pelo campo,
Victor foge. Já sem esperanças, Itard escreve uma carta afirmando que, apesar
dos progressos conquistados, falhara de se desencubir de sua proposta inicial,
quando Victor reaparece.
Ao som de uma das
mais famosas melodias de Vivaldi, Truffaut traça, sem sentimentalismo, o
retrato desse “filho da natureza”, que segue a mesma tradição do “bom selvagem”
utilizada por Werner Herzog em seu O Enigma de Kaspar Hauser. Embora menos enfatizada que no filme de Herzog,
encontra-se a nobreza de caráter do selvagem – aqui, representada sobretudo na
seqüência em que Victor se desespera por ter sido castigado erroneamente,
fazendo com que Itard perceba nele qualidades morais e não uma simples
reprodução mecanicista de atos. Como Kaspar, também é vítima da curiosidade da
sociedade e recebe maior dose de afeto dos menos intelectualmente instruídos –
no caso aqui, da governanta, que as vezes condena o esforço excessivo que
Victor é submetido e é quem chama atenção para o fato de ele não possuir sequer
nome. Porém, ao contrário de Herzog, que procura traduzir em imagens a
percepção do próprio Kaspar, Truffaut antes se aproxima do realismo de outro
filme com temática semelhante, O Homem Elefante, com sua opaca fotografia em p&b e sua proximidade do ponto de
vista do observador – no caso, mesmo que permeada por uma relação também
afetiva, o filme centra-se única e exclusivamente na mecânica do processo de
aprendizagem a que Victor é submetido pelo cientista. Ao contrário de uma
ciência que é sempre contraposta, de forma romântica, à natureza, preservadora
de uma bondade natural humana, como no filme de Herzog, Truffaut também aqui
aproxima-se de uma perspectiva mais realista, apresentando que até mesmo os
sentidos, só podem ser conhecidos, da forma que o utilizamos, através da
mediação da cultura. E contrapõe a uma faceta da ciência positiva (a única
evidenciada em Herzog) uma outra de rosto mais humanista. Presença do veterano
Dasté, ator que trabalhara com Jean Vigo, a quem Truffaut novamente volta a
prestar tributo, em uma seqüência que apresenta a indisciplina no dormitório da
escola dos garotos surdos-mudos. Vários membros da equipe técnica também fazem
pequenos papéis. Les Films du Carrosse/Les Productions Artistes Associés. 85
minutos.
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