Filme do Dia: O Estado das Coisas (1982), Wim Wenders
O
Estado das Coisas (Der Stand der Dinge,
Alemanha/Portugal/EUA, 1982). Direção: Wim Wenders. Rot. Original: Wim Wenders,
Robert Kramer & Josh Wallace. Fotografia: Henri Alekan, Fred Murphy &
Martin Schäfer. Música: Jim Jarmusch & Jürgen Knieper. Montagem: Jon
Neuburger, Peter Przygodda & Barbara von Weitershausen. Figurinos: Maria
Gonzaga. Com: Patrick Bauchau, Samuel Füller, Allen Garfield, Monty Bane, Paul
Getty Jr., Viva, Isabelle Weingarten, Rebecca Pauly, Jeffrey Kime, Geoffrey
Carey, Camilla More, Alexandra Auder.
Friedrich “Fritz” Munro (Bauchau) é um diretor de cinema que
é obrigado a parar a realização o filme de ficção-científica que dirige em
Portugal por falta de negativos. Enquanto a equipe técnica e o elenco se vê
completamente sem ter o que fazer e começam a especular sobra a situação, Fritz
viaja a Los Angeles a procura do produtor do filme, Gordon (Garfield). Acaba o
encontrando por acaso, travestido de cego em um fast-food. Gordon afirma que o projeto de produzir esse filme em
“preto&branco” foi a pior coisa que poderia lhe ter sucedido, pois os
financiadores não apenas riram do que viram nos copiões como ele agora se
encontra foragido e ameaçado de morte por conta do dinheiro investido. Fritz e
Gordon acabam sendo assassinados em um estacionamento.
Esse filme pode ser considerado de transição entre obras
mais seminais da carreira do cineasta realizadas na década anterior como Alice nas Cidades (1973) e No Decorrer do Tempo (1975) e produções
mais internacionalizadas que realizaria posteriormente, onde se torna crescente
uma atitude em direção a um certo tom blasée
e fake que faz uma releitura de
certos elementos de gêneros clássicos sob um viés pretensamente autoral tais
como Até o Fim do Mundo (1991) e O Hotel de Um Milhão de Dólares (2000).
Enquanto reflexão pessimista sobre o cinema pode se traçar paralelos com outro
filme de um realizador igualmente associado ao Novo Cinema Alemão, Fassbinder,
com seu Precaução Diante de uma
Prostituta Santa (1971), também retratando os bastidores de um filme que
não possui financiamento nem material para sua concretização. Enquanto o filme
de Fassbinder era um retrato da histeria, tensão e jogos de poder reinante
durante suas produções, aqui o cineasta parece retratar a própria crise pessoal
de sua carreira com a turbulenta produção de Hammet (1982), que levou quatro anos para ser concretizada e ainda
estava em curso à época que realizou esse filme, com Gordon provavelmente sendo
um espelhamento do produtor do referido filme, Francis Ford Coppola. Como
posteriormente faria Walter Salles, com seu Terra Estrangeira, Wenders faz uso dos cenários naturais
portugueses enquanto expressão de melancolia e desencantamento, no caso de
Salles com a situação de exílio e desterramento, e aqui com relação a própria
morte do cinema (autoral?), sendo o filme efetivado justamente no momento em
que ícones culturais da geração de Wenders estavam literalmente morrendo –
Fassbinder morreu no mesmo ano, Lennon é referido na capa de uma Newsweek,
Gláuber se encontra próximo de morrer à época da produção desse filme
justamente em Sintra, onde se dá a maior parte das locações portuguesas, tendo
sido inclusive filmado por Bauchau. Ainda que com momentos inspirados, entre
eles o encontro do cineasta com Gordon, o filme se contamina, em última instância,
pela modorrência e pelo tom eminentemente sombrio, associado sobretudo a
Portugal – uma personagem chega a afirmar que não pensa em que horas são lá,
mas em que ano está. As referências ao cinema são diversas, inclusive a alguns
dos heróis do cineasta como Fritz Lang, não apenas a alcunha do protagonista do
filme (que também é uma referência velada a Murnau) fazendo ainda questão de
apresentar o cineasta observando sua estrela na calçada da fama quanto John Ford (no livro e cartaz que fazem menção a Rastros de Ódio). Nem são poucas as referências meta-narrativas comuns em todos
filmes que apresentam os bastidores de filmagens, aqui expressas desde a
fotografia em p&b, completamente em desuso (“tá certo Woody Allen ainda
faz, mas ao menos ele é engraçado” afirma Gordon) até a necessidade de uma
narrativa fechada (“um filme sem história não é nada”) em contraposição as pretensões
de “ser profundo” buscadas por uma proposta mais autoral. Na seqüência final,
quando se vê acuado pelos tiros que matam Gordon, Fritz ainda faz uso da câmera
tal e qual uma pistola (numa evidente referência irônica ao próprio verbo
inglês to shoot). O filme dentro do
filme é uma referência a uma produção-B de Roger Corman que, por sinal, está
presente no elenco. Wenders fez uso tanto do elenco quanto da equipe técnica de
um filme que Raoul Ruiz dirigiu em Portugal pouco antes. Leão de Ouro no Festival
de Veneza. 120 minutos.
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