Filme do Dia: Fragmentos de um Filme-Esmola (1972), João César Monteiro
Fragmentos de um Filme-Esmola: A Sagrada Família (Portugal, 1972). Direção e Rot. Original: João César Monteiro. Fotografia: Acácio de Almeida. Com: Manuela de Freitas, João Perry, Dalila Rocha, Catarina Coelho, Fernando Soares, Maria Clementino Monteiro, João Gabriel.
Família que foge completamente aos padrões sociais
estabelecidos (Rocha e Soares), procura criar a filha radicalmente livre das
convenções sociais estupidificantes que reinam na sociedade de seu tempo, num
ritmo alucinantemente profundo e até mesmo auto-destrutivo.
Utilizando-se basicamente de longos planos-sequências e
muita criatividade, o cineasta contrapõe sequências com diálogos dos mais
ludicamente cotidianos (como os que o pai
e filha efetuam ao início do filme) alternados com momentos nos quais os
atores recitam textos de Ésquilo, Joyce, Ponce e Breton, criando um universo
que muito deve a Godard – embora nesse não exista a radical separação como
aqui. O resultado final é um panorama de pessoas que possuem como horizonte uma
tentativa desesperada de fuga histérico-histriônica da castradora realidade
social na qual se encontram inseridos – lembrando que o filme, quando de sua
produção (ele acabou tendo três versões, sendo a última delas de 1977), foi
realizado ainda sob a ditadura salazarista. E,
embora bem mais estilizado e dramático, possui pontos de contato com o
cinema marginal brasileiro contemporâneo. O momento que o filme explicita de
modo bastante didático e humorístico a impotência criativa dessa geração diante
do estabelishment é o plano-seqüência
que apresenta a figura do pai anárquico com máscara de porco grunhindo e
completamente alheio à visita dos pais de sua esposa, o supra-sumo da mais convencional
classe média. Com um ritmo e ordenação de planos peculiar, o filme se interessa
menos por uma narrativa convencional que pela aproximação de uma forma
pseudo-ensaística (evocativa dos primeiros filmes de Makavejev) que procura
reproduzir em imagens os limites da experiência do casal, não procurando dimensioná-los dentro das convenções dramáticas tradicionais, através dos
diálogos e posturas naturalistas. CPC. 75 minutos.
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