Filme do Dia: 1900 (1976), Bernardo Bertolucci

1900 (Novecento, Itália, 1976) Direção: Bernardo Bertolucci. Rot.Original: Franco Arcalli, Guissepe & Bernardo Bertolucci. Fotografia: Vittorio Storaro. Música: Ennio Morricone. Montagem: Franco Arcalli. Com: Robert de Niro, Gerard Depardieu, Dominique Sanda, Stefania Sandrelli, Francesca Bertini, Donald Sutherland, Burt Lancaster, Werner Brunhs,  Romolo Valli, Laura Betti, Sterling Hayden, Alida Valli, Paolo Pavesi, Roberto Maccanti.
            Itália. Idos do século XX. O velho patriarca latifundiário, Alfredo (Lancaster), comemora o nascimento do neto de mesmo nome. Este nasce poucas horas após o nascimento do filho bastardo de uma jovem camponesa, Olmo. Os dois crescem e tornam-se grandes amigos, sendo Alfredo (Pavesi) quase sempre vítimas das brincadeiras de Olmo (Maccanti). Descobrem juntos a própria sexualidade e dividem a cama com uma mulher que tem um ataque epiléptico. Vão para a Iª Guerra Mundial. Permanecem amigos após a guerra, embora a amizade pareça cada vez mais impossível diante de uma polarização cada vez maior dos grupos em questão dado os fatos: a ascensão do fascismo - representado na cidade pelo maquiavélico Atilla (Sutherland), tendências cada vez mais conservadoras por parte de Alfredo (De Niro), que o distanciam da mulher, a liberal Ada (Sanda), ciúmes que demonstra em relação a esposa com o amigo Olmo (Depardieu), que se torna uma liderança camponesa. Injustamente acusado do assassinato de um sobrinho de Alfredo, Olmo é barbaramente espancado por Atilla, o verdadeiro assassino,  e seus comparsas. Após outro camponês se entregar como assassino, Olmo é inocentado. Indignado com o conformismo e a passividade com que seu sobrinho Alfredo acompanha tal escalada de violência, seu tio liberal Otávio (Brunhs) acaba por se afastar da família, deixando Ada cada vez mais solitária e dependente do álcool, que utiliza para tentar esquecer a atual condição do marido. Após uma batida na casa de Olmo, Atilla encontra material "subversivo", como uma bandeira soviética, e manda seus asseclas destruírem tudo. Alfredo chega no momento da ação e despede Atilla de seus serviços. Vai eufórico ao encontro de Ada que, no entanto, já partira. Com o final da Segunda Guerra, conselhos comunistas fazem julgamentos sumários dos "inimigos do povo". Alfredo escapa por pouco da morte, graças a intervenção de Olmo.
       Bertolucci revisita um momento da história italiana que já abordara em parte e com melhores resultados  em seu O Conformista (1971). Ainda que em boa medida envolvente, principalmente quando começa a passear por entre as conspirações e inimizades dentro da "corte" dos aristocratas locais - sendo as mulheres, herdeiras legítimas de Lady Macbeth, sempre as maiores provocadoras dos conflitos - Ada e a mulher de Atilla, o filme possui vários pontos problemáticos: 1) a sufocante estilização visual, com destaque para a exuberante fotografia de Storaro e o virtuosismo do trabalho de câmera, operando quase que ininterrruptamente com travellings e panorâmicas e que, somado as falas em inglês, dão um tom excessivamente artificial a nada original amizade infantil entre Alfredo e Olmo, em que o filme se detém por um longo tempo; 2) a esquemática construção dos tipos que parece quase inevitável a um drama que pretende retratar de forma para-didática a história política italiana, principalmente nos primeiros momentos (no caso dos fascistas do ínicio ao final do filme). Bertolucci perdeu uma boa oportunidade de ir além dos esteréotipos, como fizeram na França Louis Malle e Marcel Ophüls, aumentando a carga dramática e diminuindo a forte tensão maniqueísta e acaba sucumbindo por vezes em um irritante populismo; 3) o desnecessário final, de um sentimentalismo piegas de quinta categoria, com Alfredo e Olmo já velhos e ainda discutindo como crianças, que lembra os dramas de "arte" do cinema americano contemporâneo. Não necessariamente uma falha é se constatar a forte presença de um moralismo cristão ao longo do filme - a cena que apresenta a decadência do jovem dândi Alfredo, recém-casado com a moderna Ada e com o tio pervertido homossexual Otávio num delírio hedonista movido a cocaína (talvez a melhor sequência do filme, o que muito se deve ao trabalho de expressão corporal dos atores), por exemplo, é interrompida bruscamente com a notícia do falecimento do pai - o princípio da realidade se sobrepondo de forma culposa e abrupta ao do prazer. Este é, sem dúvida, um filme que vivencia, antes de tudo, o amor entre dois homens: Alfredo e Olmo, sendo as relações de ambos com suas mulheres uma pálida sombra da carga emotiva (seja na amizade ou inimizade) que move ambos.  Fox. 243 min. 

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