Filme do Dia: The Iron Horse (1924), John Ford

The Iron Horse (EUA, 1924). Direção: John Ford. Rot. Original:  Charles Darnton,  Charles Kenyon &  John Russell. Fotografia: George Schneiderman. Música: Erno Rapee. Com: George O'Brien, Madge Bellamy, Cyril Chadwick, Fred Kohler, Gladys Hulette, James A. Marcus, Jim Welch, Charles Edward Bull, James Gordon, Winston Miller, Peggy Cartwright, Will Walling, Colin Chase.
         Davy Brandon (Miller) e Miriam Marsh (Cartwright) tem seu primeiro amor subitamente rompido, com a decisão do pai de Davy, um visionário agrimensor (Gordon), de partir para o oeste, na esperança de um dia vir a trabalhar numa ferrovia. Seus sonhos são logo interrompidos, com a aparição de um grupo de índios, em que um deles, um branco convertido, acaba assassinando- o. Anos depois, o sonho do pai de Davy começa a se concretizar, com a decisão do presidente Abrahan Lincoln (Bull), de ignorar os gastos excessivos que o país já possui com a guerra da secessão. Lincoln aliás, acaba reconhecendo em  Miriam (Bellamy) sua ex-vizinha. Miriam lhe apresenta seu atual noivo, Peter Jesson (Chadwick), que atualmente trabalha na ferrovia com o pai de Miriam, Thomas (Walling), que anteriormente possuía uma visão completamente oposta a do pai de Davy. Miriam acompanha o pai na árdua jornada da construção da ferrovia transcontinental, que unirá as duas maiores ferrovias americanas, concretizando um velho sonho de integração nacional e chega a conseguir reverter uma legião de trabalhadores que pretendem abandonar os serviços, cansados com o atraso dos pagamentos (devido aos constantes saques dos índios) e ao pouco variado cardápio, restrito a carne de búfalo. Certo dia, salvam dos índios um jovem do Ponei Express. Miriam e seu pai reconhecem se tratar de Davy. Enciumado com a atenção que a noiva dirige ao rapaz, Jesson acata o plano de Deroux (Kohler), o homem que assassinara o pai de Davy, de matá-lo. A oportunidade surge quando Davy pretende mostar o despenhadeiro onde o pai foi morto. Davy é tido como morto por Jesson, que cortara sua corda, e confirma ao pai de Miriam que não havia a região descrita por Davy, assim como conta sobre sua morte. Davy reaparece e desmente Jesson, agredindo-o. Enfrenta-o no saloon local, após quase ser vítima da deslealdade de Jesson, que além de se negar a aceitar suas desculpas, tenta matá-lo pelas costas. Porém como havia prometido a Miriam não duelar com Jesson, perde as graças da mesma, e parte com os trabalhadores. Deroux incita os índios para um ataque em massa, que acaba culminando com sua morte, quando Davy percebe tratar-se do mesmo homem que assassinara seu pai. Desgostoso com o fato de ter matado o rival e com a desilusão amorosa, Davy parte com outros trabalhadores. Ainda que solitário, sente-se orgulhoso de ter unido as dormentes que concretizaram a ligação entre as duas ferrovias, tendo papel de destaque na comemoração e reatando sua relação com Miriam.
        Possivelmente trata-se do filme que apresenta mais motivos a serem explorados posteriormente pelo gênero: das brigas de saloon e seu conseqüente suspense aos círculos de índios a rodearem a locomotiva; dos personagens secundários de meia-idade de caráter inofensivo e hilário (que se tornariam uma constante, por exemplo nos filmes de Hawks) ao caráter não confiável do tipo ambíguo entre índio e branco. Apesar de abrir os horizontes para toda uma gama de representações de um gênero, não escapam ao filme sua forçosa reunião de personagens, sem maiores preocupações de verossimilhança, assim como suas fortes tinturas ideológicas de caráter marcadamente conservador aproximando-se, por exemplo, de uma descrição de um Lincoln tão mitológico quanto o Napoleão, do filme homônimo de Gance, mesmo que, ao contrário daquele, enraizado na mitologia do homem comum. Assim como o grave ar dos personagens, plenamente auto-conscientes de sua estoica grandeza para o futuro da nação. Ainda mais conservadora é sua descrição da supremacia cultural sobre a raça indígena, que justifica portanto a unificação nacional, ainda que seja feita a “sangue e ferro” como acentua na homenagem inicial a Lincoln, por sinal uma figura recorrente na obra de Ford. Não deixa de acentuar, ao longo de toda a narrativa, os sacrifícios humanos despendidos para essa colossal empreitada, seja no constante assentamento dos trilhos ou na tentativa homérica de levar uma locomotiva morro acima com a força de cavalos e homens, numa sequencia que lembra os arroubos empreendedores do Fitzcarraldo (1982) de Herzog. A poesia de suas imagens se deve, em grande parte, ao fato de Ford filmar em locações, recurso do qual não abriria mão ao longo de toda sua carreira, assim como seu apurado senso de orquestrar multidões e planos monumentais como o que abarca toda a multidão de índios que circula a locomotiva ou o que apresenta a travessia de um rio de centenas de cabeças de gado, que nada fica a dever a sequencia semelhante em Rio Vermelho (1948) de Hawks, assim como a relativa proximidade da época retratada – as locomotivas utilizadas nas cenas finais foram as que originalmente realizaram o encontro entre as ferrovias. Para construir seu painel épico Ford não abriu mão de utilizar-se de recursos dos mais variados como a câmera baixa para reforçar a imagem de potência tecnológica que representa a locomotiva ou os planos de detalhe que testemunham a veracidade da dura empreitada de fixar os ponteiros que sustentarão os trilhos. National Film Registry em 2011.  Fox Film Corporation. 118 minutos.

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