Meu Caro Diário, 17/04/2004
Prometi a mim mesmo contar cada dia em São Paulo e não me deixar levar...mas
é exatamente isso o que deixei de fazer logo, logo. De algum modo, percebo que
consigo me adaptar relativamente fácil em qualquer ambiente. Isso será bom ou
ruim? O fato é que nunca morei só, isso ainda é para mim um mito. São Paulo
hoje me pareceu terrivelmente provinciana. O mesmo provincianismo que pode ser
acolhedor e nos fazer menos sofrido em locais que já se conhece, também pode
ser o oposto. Uma necessidade de ir além, de transcender esse mundinho. (...) Assim, o texto para o jornal que havia pensado com tanta ansiedade na manhã
de hoje, juntando cacos do que eu havia pensado nos últimos dias, poderia e
pode ser grandemente comprometido. Fui
depois a feira do livro e me decepcionei um pouco. Esperava mais. Andei um
bocado e comprei apenas dois livros. Um deles mais pelo aspecto plástico da
edição que propriamente pelo conteúdo é o que trata das correspondências entre
Lygia Clarke (sic) e Hélio Oiticica, porém andei folheando na volta e me pareceu bem
interessante. Aliás, minha reflexão sobre o provinciano se ampara no número de
caras conhecidas que andei encontrando ultimamente por São Paulo. Outro dia
Cláudia Valença logo quando saí do metro Vila Madalena. Hoje algumas pessoas do
movimento e Alessandra me descobriu “vagando” pelos espaços da feira. Quando
esperava o ônibus para vir ao apartamento pensei que haveria uma relação de
contenção/desmesura com relação ao dinheiro semelhante ao do sexo om momentos de vontade de gastar seguidos por períodos de completa contenção. (...) A aula do Rubens Machado Jr. ontem foi bem animadora, a meu ver a mais
interessante, até mesmo porque me lançou luzes sobre a reflexão metodológica
que eu não deixei de por no papel logo depois à noite alta. Por outro lado,
quando ele se referiu ao processo de reflexão sobre um “material virgem” de interpretações
como um verdadeiro desnudamento, no qual você acabava se sentindo igualmente
muito exposto, não pude deixar de refletir na possibilidade de que esse mal-estar se deva
a uma certa tensão (...) Como
eu, ele ficou um bom período da aula falando obliquamente, sem encarar nenhum
de nós. Posteriormente peguei um ônibus no qual vivi meu pior momento aqui em
São Paulo. Subiu um bruta-montes completamente drogado que ficou atazanando boa
parte dos passageiros e o transito estava mais parado do que nunca.
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