O Dicionário Biográfico de Cinema#291: Milos Forman

 Milos Forman, n. Kaslov, Tchecoslováquia, 1932*



1963: Konkurs [Talent Competition] (c); Kdyby Ty Muziky Nebily [If There Was No Music]. 1964: Cerny Petr [Pedro, o Negro]. 1965: Lásky Jedné Plavovlásky [Os Amores de uma Loira]. 1967: Horí má Penenko [O Baile dos Bombeiros]. 1971: Taking Off [Procura Insaciável]. 1973: "The Declathon", episódio de Visions of Eight (d). 1975: One Flew Over the Cuckoo´s Nest [Um Estranho no Ninho]. 1979: Hair. 1981: Ragtime [Na Época do Ragtime]. 1984: Amadeus. 1989: Valmont. 1996: The People vs. Larry Flynt [O Povo Contra Larry Flynt]. 1999: Man on the Moon [O Mundo de Andy]. 2006: Goya´s Ghosts [Sombras de Goya]. 2009: Dobra Placená Procházka [A Walk Worthwhile].

É indicativo da preferência de  Forman pelo cotidiano antes que pelo melodramático que o modesto Procura Insaciável tenha derivado de uma história de jornal, no qual uma adolescente aparentemente diligente foi um dia encontrada morta. A ideia que intrigou Forman foi a de que filha e pais pudessem viver vidas intensamente privadas fora do espaço comum familiar. Talvez por conta de um tchecoslovaco chegando a América tenha conhecido situações mais brutalmente disruptivas de vida que Procura Insaciável é tão charmosamente pouco empático. A garota no filme de Forman se afasta apenas brevemente e retorna, para encontrar seus pais freneticamente perplexos a jogarem strip poquer. A maioria dos diretores americanos teriam censurado os pais com retórica, amado os jovens, e não teriam poupado nada da eventual tragédia.

Os próprios pais de Forman foram levados a campos de concentração quando criança - como os de Polanski, um diretor incapaz de observar as pessoas de forma tão calorosa quanto Forman. (Mas, anos depois, Forman descobriu que o homem a quem chamava de pai não era seu verdadeiro pai). Foi estudar na Faculdade de Cinema de Praga da Academia de Artes Dramáticas e se formou nela em 1957. Seu primeiro trabalho foi como roteirista de Dedecek Automobil (56, Alfred Radok), e esteve com Radok por diversos anos em um teatro de lanterna mágica. 

Seus filmes tchecos apresentaram uma nova vitalidade e relaxamento para este país, e um conjunto bastante interessante de influências. Os neorrealistas italianos, Karel Reisz, Lindsay Anderson podem ter afetado seu apreço por histórias casuais e comuns e seu gosto por intérpretes não profissionais. Do mesmo modo, Forman era intrigado pelas possibilidades da câmera escondida, filmagens em zoom de amadores em alguma situação formal que os fazia tentarem ser profissionais. Mas Forman não era tanto um realista cinzento quanto um homem capaz de inserir espontaneidade em uma narrativa disfarçada e bastante habilidosa, de estilo convencional. Foi um confesso admirador da comédia americana muda e Os Amores de uma Loira e O Baile dos Bombeiros poderia ser uma espécie de conto romântico/irônico amado por Maupassant e D.W. Griffith. Certamente são mais francos e inventivos e carregados pelo registro geralmente discreto de cenas de festas, onde Forman demonstra uma aguçada habilidade em capturar as pessoas em momento de revelação. E apesar de suas histórias se interessarem em apreciar todos os personagens, não se aprofunda demasiado neles ou no ambiente. 

Sem de maneira nenhuma desfazer ou questionar a genuinidade da simpatia de Forman pelas pessoas, Procura Insaciável apresentava mais claramente o comediante maneirista e levantava sérias questões  sobre seu estilo. Este momento no qual Buck Henry quase engole sua taça de vinho ao escutar que sua filha caiu nas mãos não de um vagabundo, mas de um compositor pop que fez 290 mil dólares brutos no ano anterior é tão previsível e bem sucedido quanto qualquer coisa numa comédia dos anos 30. A pose central dos pais perplexos, abandonando suas próprias inibições é uma versão suavizada dos desenhos de Feiffer (**). Acima de tudo, a edição a estimular a audição - especialmente quando Forman tem uma canção cantada por dezenas de garotas, frase cortada por frase - é não menos que hilariante. A habilidade da execução e a engenhosidade do movimento somente enfatizam seu afastametno dos personagens centrais. 

Um Estranho no Ninho, pelo contrário, foi repleto de risco, dor e uma inventiva coragem. Independentemente do projeto dever muito ao romance de Ken Kesey e a presença coesa de Jack Nicholson, Forman merece grande crédito pelos movimentos repentinos, porém controlados, da hilaridade à tragédia. A metáfora da instituição insana funciona em termos de entretenimento desafiador, em grande parte, devido a consciência muito equilibrada de Forman de peculiaridade, loucura e atuação serem condições sobrepostas. O hospício pode ser mais sinistro por conta de Kafka e 1968.

Forman realizou três filmes nos anos 80, todos adaptações e filmes de época. Pode-se desejar, ou esperar, que sua observação muito perspicaz do mundo ao seu redor retorne à América na qual vive. Mas isso não é desprezar as adaptações. Na Época do Ragtime foi um filme subestimado, fiel a Doctorow, complexo e desafiante, um filme sobre uma época e suas ideias - justo como o título supõe. Amadeus repetiu o triunfo de Um Estranho no Ninho, vencendo Oscars de melhor filme e diretor. E é um entretenimento rico e inteligente, luxuoso porém excêntrico em sua re-criação da época, luminoso e satânico em seu Salieri, e tão inteiramente confiável, que seu impessoal final chega como surpresa. Em Valmont, Forman foi precedido. Ligações Perigosas (88) de Frears chegou antes, com elenco mais estrelado e levou todos os louros. No entanto, Valmont é melhor filme, aquele que capturou a tragédia, assim como a ironia, na história de Laclos. 

Forman se aproxima dos oitenta, compromissado com a América e Nova York (ele presidiu o programa de cinema da universidade de Columbia por um tempo), um narrador engajado - certamente devia atuar: imaginem como o homem em A Insustentável Leveza do Ser. No entanto, trabalha de forma muito parcimoniosa - e com um distanciamento mundano muito perspicaz - para ser um grande artista. Mas ele busca por material, e é bom o suficiente de encontrá-lo. O Povo Contra Larry Flynt foi uma intrigante visão dos direitos americanos como vistos de fora e O Mundo de Andy um estudo sobre o comediante Andy Kaufman. Nenhum destes filmes foi bem (particularmente de público), mas reafiramaram o quão Forman é distante dos valores e cultura americanos. Sombras de Goya foi um triste fracasso. 

Texto: Thomson, David. The New Biographical Dictionary of Film. N. York: Alfred A. Knopf, 2014, pp. 935-38.

(*) N. do E.: Falecido em 2018.

(**) N. do E: Jules Feiffer (1929) é um dos mais renomados cartunistas estadunidenses, de forte veia satírica e vencedor do Pulitzer em 1986, dentre outras várias honrarias. Cf. https://en.wikipedia.org/wiki/Jules_Feiffer 

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