Filme do Dia: Le Temps de la Pose (1979), Lionel Soukaz & Guy Hocquenghem
Le Temps de la
Pose (França, 1979). Direção e Rot. Original:
Lionel Soukaz & Guy Hocquenghem. Fotografia: Lionel Soukaz. Com: Elizar
Van Effenterre, Serge Hefez, Pierre Stone, Sixteen, Gilles Sandier.
Há algo de
irrefreavelmente instigante na forma com que a dupla de realizadores pretende efetivar
uma série de curtas dedicados a “um século de homossexualidade”, destacando em
seu primeiro episódio, o recorte do “falso documentário”, que vincula à
narração a um pretenso ex-modelo do Barão Von Gloeden (1856-1931), figura
histórica real, que se tornaria famoso pelas fotografias de nus masculinos que efetuaria
na Sicília. Algo que pode ter ocorrido de fato. E ao evocarem o abismo
existente entre os jovens pastores sicilianos que escolhia como modelos e suas
poses e indumentárias a evocarem a Itália ou Grécia da Antiguidade, tanto pode
nos fazer remeter ao uso igualmente criativo que um artista como Caravaggio a
transformar seus marginais em figuras bíblicas quanto, mais próximo do universo
dos realizadores, o que Pasolini fez do lumpem-proletariado italiano ao
representar figuras do povo de um mundo pré-industrial, para não falar do
próprio filme e seu uso dos jovens. Tudo isso temperado com contido bom humor,
senso de colagem (Help dos Beatles
surge em um pequeno trecho, quando abandona o seu prólogo apenas com
comentários sobre a tela escura), erotismo e uma ausência de respeito por uma
postura submissa ao momento histórico que descreve – apresentando, por exemplo,
os jovens vestindo jeans – que talvez tenha influenciado alguém como Derek
Jarman. Seu uso do erotismo parece despossuído da tentativa de reprodução do
prazer voyeurístico e objetificação dos corpos, tão comum em um cinema de apelo
gay. Até mesmo quando filma o que seria um intercurso sexual entre dois jovens,
um deles apoiado em uma cerca, e observados de longe pelo esteta, opta-se por
uma fuga do lugar-comum, pois ao mesmo tempo que o movimento é bastante
sugestivo da cópula, além dos corpos completamente desnudos, seu jogo de luzes
e sombras e distância que tudo é filmado, equivalente a de seu observador,
distanciam-no da precisão gráfica do ato. Parece, já que há determinado
momento, no seu terço final, não deixa de filmar planos aproximados dos sexos
dos rapazes. Como faria igualmente Jarman depois, trata-se da evocação de um
artista repleta de ironia e afiada criatividade em relação ao seu retratado,
porém sem os laivos de militância ocasionalmente presentes no britânico. Tudo
isso, com amadorismo e ainda menos dinheiro que Jarman, elenco não profissional
de canhestra (como em geral os que formavam o dos filmes de Pasolini) verve dramática.
Quando se diverte em comparar a diferença dos pênis deles em relação à arte
grega antiga, o narrador evocando os seus serem bem mais desenvolvidos,
esquecem-se igualmente que suas formas físicas (seguindo o modelo dos que
posaram para Von Gloeden, mesmo se observando ao final que essa não era uma
condição sine qua non de seus modelos como aqui) são um tanto raquíticos
quando se leva em conta o ideal de beleza grega. Ao contrário da alusão jocosa,
o fotógrafo compartilhava os dividendos
das fotos que vendia com seus modelos. Comporá o longa-metragem Race d’Ep com outros três curtas,
prontamente censurado à época de seu lançamento, sendo libertado em versão com
cortes, após o apelo de intelectuais como Barthes, Duras e Foucault. Little
Sisters Prod. 23 minutos.

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