Filme do Dia: Elle (2016), Paul Verhoeven

 


Elle (França/Alemanha/Bélgica, 2016). Direção: Paul Verhoeven. Rot. Adaptado: David Birke, a partir do romance de Philippe Dijan. Fotografia: Stéphane Fontaine. Música: Anne Dudley. Montagem: Job ter Burg. Dir. de arte: Laurent Ott. Figurinos: Nathalie Raoul. Com: Isabelle Huppert, Laurent Lafitte, Anne Consigny, Charles Berling, Virginie Efira, Judith Magre, Christian Berkel, Jonas Bloquet, Alice Isaaz, Vimala Pons, Raphaël Lenglet.

Michèle Leblanc (Huppert) é uma bem sucedida editora de videogames que vem a ser repentinamente estuprada em sua residência. Autoconfiante e decidida tanto em sua vida profissional quanto pessoal, ela não se deixa abater pelo ocorrido, nem tampouco por seu passado trágico, envolvendo um pai que matou diversas pessoas e animais em meados dos anos 1970 e se encontra preso desde então. Enquanto busca descobrir quem a estuprou, convive com o ex-marido Richard (Berling) e sua namorada Héène (Pons), o amante Robert (Berkel), marido de sua melhor amiga, Anna (Consigny), o filho Vincent (Bloquet) e sua histérica companheira Josie (Isaaz), a mãe Irène (Magre) e seu amante mais de meio século mais  jovem, Ralf (Lenglet) e o vizinhos cristãos Patrick (Lafitte) e sua esposa Rebecca (Efira). Quando descobre afinal quem fora o estuprador, após uma nova tentativa de estupro, ela inicia um jogo com ele de sedução, sexo e violência.

Verhoeven, que já havia dirigido um filme em que violência, sexo e a figura feminina ganhavam proeminência, Instinto Selvagem (1992), adapta sua narrativa para um padrão europeu de complexidade, assim como para tempos em que não cai bem uma irrestrita vilanização da figura feminina enquanto predadora sexual nem tampouco sua mera vitimização. E o resultado consegue ir bem além do trivial, elaborando uma personagem complexa que, conscientemente ou não, torna-se a responsável pela morte dos próprios pais e, ainda assim, observa-la com uma dose de generosidade e empatia que, em última instância, não a reduz a um denominador comum de fácil etiquetagem. É claro que boa parte dessa complexidade é herdeira do romance do qual o filme fez uso, mas não deixa de ser curiosa e criativa a mescla entre uma mais tradicional observação sobre os costumes dos personagens, vinculada tradicionalmente ao cinema autoral europeu e a tensão, suspense e violência mais tipicamente vinculados à tradição norte-americana. Se Huppert é figura que se destaca do início ao final, sem nunca vir a ser questionada diretamente em suas atitudes, mesmo provocando a morte, traindo e humilhando ocasionalmente seus subordinados e amigos, a não ser curiosamente pelo estuprador que lhe afirma que ela o merecia quando ela indaga o motivo da ação dele, o filme, em última instância, parece menos ter uma perspectiva que a culpabiliza que a de lhe tomar enquanto exemplar recorte de instinto de sobrevivência, continuando a levar sua vida adiante. Talvez a identificação entre religiosidade cristã e algum tipo de perversão/desvio sexual soe algo over, sobretudo quando acrescida de desnecessárias imagens documentais do Papa Francisco na televisão, mesmo quando se leva em conta que a maior parte da ação ocorre em período natalino. Existe uma evidente alusão entre o universo misógino dos jogos violentos que a empresa que Michèle possui função relevante e as próprias situações que serão vivenciadas por ela. SBS Prod./Twenty Twenty Filmproduktiion GmbH/France 2 Cinéma/Entre Chien et Loup para SBS Distribuition. 130 minutos.

 

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