Filme do Dia: Sob a Névoa da Guerra (2003), Errol Morris

 


Sob a Névoa da Guerra (Fog of War: Eleven Lessons from the Life of Robert S. McNamara, EUA, 2003). Direção: Errol Morris. Fotografia: Robert Chappell & Peter Donahue. Música: Philip Glass & John Kusiak. Montagem: Doug Abel & Chyld King. Dir. de arte: Ted Bafaloukos & Steve Hardie.

Unindo uma seleção de trechos (a todo momento, faz utilização das jump cuts “assépticas”, recurso típico do jornalismo contemporâneo) das várias horas de entrevista que realizou com McNamara, um dos homens mais poderosos dos Estados Unidos nos anos 60 às imagens de arquivo, que não fazem mais que ilustrar a fala do ex-Secretário de Estado americano, que é o destaque principal deste documentário. Estruturado em 11 tópicos (as onze lições extraídas da própria fala de McNamara) e um epílogo, o filme cobre o espectro que vai dos festejos pela vitória na I Guerra Mundial até a demissão de McNamara no auge da crise do Vietnã, quando ele afirma ter entrado em conflito mais direto com Lyndon Johnson. Porém, se detem, sobretudo, na ação americana na II Guerra Mundial, em Cuba e no Vietnã. A partir do momento que vai crescendo a participação evidente de McNamara nos eventos, sua fala vai se tornando inversamente reticente, chegando ao extremo quando ele decide interromper sua narrativa quando está sendo discutido a crise gerada pela guerra do Vietnã e a crescente pressão da população e da imprensa contra a ofensiva. Nesse sentido, McNamara fala, com grande abertura,  sobre os quase nunca lembrados massacres aéreos sobre as cidades japonesas (somente em Tóquio teriam sido cem mil vítimas em uma única noite) e efetiva uma indagação quase afirmativa  de que provavelmente teria sido julgado como criminoso de gurra caso os Aliados houvessem perdido a Segunda Guerra Mundial, embora seu papel tenha sido bem modesto, no sentido de que era um piloto de avião. Quando fala sobre os eventos nos quais esteve diretamente envolvido, há uma visível complacência maior presente, por exemplo, quando demonstra  sua admiração por Johnson, apesar da discordância sobre os rumos que a crescente militarização na região do Vietnã poderia levar ou quando pesa a delicada situação do conflito dos mísseis em Cuba e simplesmente passa por cima de qualquer explicação maior sobre a invasão da Baía dos Porcos, limitando-se a criticar o fanatismo ideológico de um Fidel Castro que teria afirmado estar disposto a explodir toda a ilha se fosse necessário para não se render aos Estados Unidos. Relembra emocionado quando um homem imolou seu próprio corpo embaixo de seu escritório e quando foi condecorado por Johnson ou ainda quando foi decidir, pessoalmente, o local em que Kennedy foi enterrado no cemitério de Arlington e apela para a natureza humana para tentar se convencer da natureza irremediável das muitas vítimas – nesse sentido as perdas do Vietnã, menos que desnecessárias, tornam-se um mal menor quando comparadas ao que poderia ter se sucedido nos desdobramentos da Guerra Fria. Também enfatiza que sua posição sobre Cuba, assim como a de Kennedy, era moderada, diante da de militares que simplesmente tencionavam arrasar o país. Embora Morris cumpra, por vezes, seu papel de advogado do diabo – em alguns momentos suas perguntas chegam a se fazer presentes na banda sonora – ele em nenhum momento se posiciona de maneira questionadora sobre o que McNamara afirma. Nesse sentido, inexiste aqui a ironia subliminar que acompanha as investigações de um Frederick Wiseman ou uma maior insistência sobre os pontos polêmicos da trajetória do entrevistado, tal como Ray efetivou em Leni Riefensthal – A Deusa Imperfeita, sobre uma personalidade também politicamente polêmica. Pelo contrário, ao final o filme ainda parece reforçar um certo tom  nunca totalmente explicitado por McNamara, quando apresenta, nos créditos que o encerram, que o ex-Secretário de Estado dedicou a combatar a miséria, trabalhando no Banco Mundial até o final de sua carreira. O título advém de uma passagem na qual McNamara se refere à guerra como sendo um momento em que todas as decisões, embora tomadas por homens racionais, encontram-se enevoadas por uma situação-limite da condição humana, proporcionado pelo estado de exceção gerado pela guerra. National Film Registry em 2019. @radical media inc./Globe Department Store/SenArt Films. 95 minutos.

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