Filme do Dia: O Descobrimento do Brasil (1937), Humberto Mauro
O Descobrimento do Brasil (Brasil,
1937). Direção: Humberto Mauro. Rot. Original: Humberto Mauro & Bandeira
Duarte sob o argumento de Affonso de Taunay. Fotografia: Alberto Botelho,
Alberto Campiglia, Humberto Mauro & Manoel Ribeiro. Música: Heitor
Villa-Lobos. Montagem: Alberto Botelho. Cenografia: José Queiroz, Arnaldo
Rosenmayer & Bernardino José de Souza. Com: Álvaro Costa, Manoel Rocha,
Alfredo Silva, De Los Rios, Armando Duval, Reginaldo Calmon, João de Deus, J.
Silveira, Arthur Oliveira, Hélio Barroso.
A esquadra de Pedro Álvares Cabral
(Costa), parte em busca das Índias Orientais e acaba chegando à costa
brasileira, onde trava seus primeiros contatos com os índios e com a ajuda dos
mesmos constói a gigantesca cruz que celebrará a primeira missa a ser rezada no
novo território, retornando para Portugal com a carta na qual Pero Vaz de
Caminha (Rocha), narra toda a aventura.
Mauro estrutura sua epopéia sobre o
mito fundador da nação brasileira, algo semelhante ao que D.W. Griffith havia
efetuado nos EUA com o seu O Nascimentode uma Nação (1915), a partir da carta de Pero Vaz de Caminha. O resultado
final, é desconcertantemente burocrático, solene e oficial, como quando direta
ou indiretamente um governo totalitário resolve patrocinar ou encampar filmes
históricos – fato que se repetiria, sob outra chave estética, com Independência ou Morte (1972), de Carlos
Coimbra. Procurando apenas ilustrar passagens da carta de Caminha, na produção
provavelmente mais luxuosa que o cinema brasileiro havia realizado até então o
filme, ainda que sonoro, mais se aproxima de uma estética do cinema mudo,
efeito realçado pelos constantes entretítulos com passagens da famosa missiva.
Porém, o pior de tudo são as interpretações solenes e o tom paternalista e
isento de conflitos que a relação com os indígenas se dá desde o primeiro
encontro, mais próximas de traduzir o próprio paternalismo getulista com as
classes menos favorecidas do período em que foi produzido. Nenhuma cena evoca
tão bem tal paternalismo quanto a que os índios que dormem sob o chão da
caravela de Cabral, sendo cobertos e devidamente acolchoados. Ou a rapidez com
que os índios espontaneamente se submetem aos caprichos dos portugueses,
carregando a madeira que construirá a gigantesca cruz – demonstrando logo quem
realmente se encarregará do trabalho pesado –
ou se ajoelhando no momento da missa após ordens de seu próprio líder e
beijando o crucifixo. Ou ainda quando os seios de uma índia são cobertos para
não ofender a celebração cristã, imagem que evoca imediatamente membros da
Comissão Rondon entregando roupas aos indígenas que as vestem em Ao Redor do Brasil, numa prática que
parece dar continuidade mais de quatro séculos após ao que a narrativa de
ficção involuntariamente aqui apresenta. Também nesse sentido, o filme de
Griffith pode ser relacionado com a
habitual representação de explícito segregacionismo dos negros na cultura
americana, enquanto aqui se segue a herança da coabitação pacífica das raças,
desde que cada qual reconheça seu lugar. Com música de Villa-Lobos e
composições visuais que procuram se espelhar nos traços pictóricos que retratam
a primeira missa. Um dos poucos momentos que foge a toda essa pompa artificiosa
e se percebe algo da poesia do veterano cineasta de Cataguazes é o que ele
apresenta, através dos olhos de um anônimo, a caravela como algo mais que um
relativamente luxuoso e familiar meio de transporte e da lugar a melancolia dos
marujos que se apóiam uns nos outros como consolo para a ausência de qualquer
contato com mulheres por já longo tempo.Brazilia Film/Instituto de Cacau da
Bahia. 62 minutos.
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