Filme do Dia: Utopia Distopia (2020), Jorge Bodanzky & Bruno Caldas
Utopia Distopia (Brasil, 2020). Direção: Jorge
Bodanzky & Bruno Caldas. Fotografia: Jorge Bodanzky. Música: Marcos Cohen.
Montagem: Bruna Callegari.
Bodanzky se detém sobre um tema que entremeia com
uma passagem autobiográfica, que é o momento de fundação da Universidade de
Brasília, da qual foi aluno de artes visuais. Apesar de discretamente emergirem
ocasionais fotos dele próprio, e eventualmente escutarmos uma voz over dele
falando do momento que ingressou na universidade, assim como o próprio cineasta
falando sobre sua experiência na universidade, algo que gradativamente ganhará
maior espaço, busca-se evocar a efervescência que marcaria para o restante da
vida de muitas pessoas, que prestam seus depoimentos contemporaneamente ou em anos
próximos ao da produção, assim como imagens de arquivo. E, ao escolher como
tema a Universidade de Brasília, mira-se em um projeto de utopia mais amplo,
antenado com os anos sempre lembrados de JK – que não desejava uma universidade
por lá – enquanto ápice de um projeto de se pensar um novo país, mais
inteligente, pujante, integrado, plural – a diversidade de vozes que compõem a
cidade é o tema do curta Fala Brasília (1966), de Nelson Pereira dos Santos. Lembra-se de como foi um projeto que mudou 180 graus a concepção de ser
um professor universitário no país, abandonando-se a noção de cátedra e
surgindo os planos de carreira de ensino. Cláudio Santoro, compositor e músico,
que regia as concorridas apresentações da orquestra recém-criada com
músicos-professores aos sábados. Amélia Toledo, artista plástica, fala de como
não se tratava de apenas se ir e dar sua aula, mas de uma convivência intensa
com os alunos que se estendia para os outros ambientes da universidade e mesmo
para casa, como afirmam alunos e observamos fotos de arquivo. Havia a noção de
se estar buscando algo comum (uma utopia, portanto) e também marcada
eminentemente por jovens talentos. Bodanzky fala de sua “descoberta do Brasil”
partindo de Brasília e subindo para o Nordeste pelo São Francisco e depois de
trem, a partir de Juazeiro/Petrolina. E fotos do ensaio que efetuou com Athos
Bulcão emergem, trazendo certa dimensão épica da vida cristalizada. Observa-se
já o seu interesse nesse viajar como descoberta (que emergirá em sua obra
canônica, Iracema, uma Transa Amazônica), assim como pela prostituição,
com fotos, por exemplo, para além de motivos colhidos em convívio social mais
amplo, mas da intimidade de uma mulher negra, despida, a fumar. Também há o
detalhe curioso de boa parte dos alunos e professores viverem no próprio
campus. Já que não havia nativos em uma cidade recém-nascida. O campus, além de
não ter cercas ou muros, encontrava-se em meio ao cerrado originalmente, sendo
gramado e descaracterizado pelos militares. Há bem mais de utopia que de
distopia no filme. Quando essa emerge nos discursos, a partir do golpe militar,
faltam cerca de vinte e cinco minutos para sua conclusão. Surgem então os depoimentos
sobre os cercos policiais, espancamentos e prisões que atingiram a
Universidade, assim como uma rica sessão de fotos de calouros de 1965
protestando contra a ditadura. 200 professores pedem demissão, após a
exoneração de alguns colegas em ato, como lembra um depoente, praticamente
inédito na história do funcionalismo público brasileiro. O final parece um
tanto fácil em relação ao que depoentes pouco antes – sobretudo o cineasta Vladimir
Carvalho – apontam em relação a que hoje ainda nenhum projeto conseguiu conquistar algo similar ao
que nasceu com a Universidade de Brasília, já que sobre a indagação sobre se
sonhos podem morrer, apenas observamos estudantes atravessando um corredor e um
mural com grafites e pinturas, dentre elas o inescapável “Marielle Vive”. É
muito pouco. E parece dar razão as vozes prévias. Jacó Sanowicz, Jean-Claude
Bernardet, José Roberto Aguilar, Luís Áquila, Márcia Neves Bodanzky, Márcio
Souza, Maria Coeli de Almeida Vasconcelos, Ordep Serra e Rosa Pessina também se
encontram dentre os depoentes. Planopiloto Entretenimento. 72 minutos.
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