Dicionário Histórico de Cinema Sul-Americano#39: Lisandro Alonso

 

ALONSO, LISANDRO (1975-).Um dos mais originais realizadores a emergir na primeira década do século, Lisandro Alonso realizou quatro longas-metragens, que tem sido acolhidos por críticos e programadores de festivais ao redor do mundo. Nascido em Buenos Aires, Alonso se beneficiou de um impressionante crescimento da educação em cinema durante os anos 1990, graduando-se na florescente Universidad del Cine, fundada em 1991. Tem sempre vivido em Buenos Aires, mas quando seu pai comprou um rancho no campo (pampas), ele foi morar lá por dois anos. Influenciado por filmes iranianos e indianos que focavam nas vidas de pessoas pobres, decidiu que seguiria essa trajetória. Conheceu um lenhador migrante, Misäel Saavedra, no rancho de seu pai, e viajou com ele por oito meses. Sem qualquer apoio institucional, e trabalhando com uma equipe técnica reduzida, filmou um longa com Saavadra em nove dias, La Libertad (A Liberdade), espécie de documentário ficcionalizado. Após a pós-produção, o filme permaneceu nas latas por oito meses, antes de ser surpreendentemente selecionado, pela mostra Un Certain Regard, do Festival de Cannes (2001). Posteriormente venceria o FIPRESCI e os Filmes do Sul da Oslo Films, e no Festival de Roterdã de 2002 ganharia menções especiais para o FIPRESCI e o prêmio KNF. Com virtualmente ausência de diálogos e nem música após a sonora sequencia de créditos, e planos extremamente longos, observando estritamente a vida ultra-cotidiana do protagonista, A Liberdade introduz um diretor-autor existencialista cuja obra modifica o público para se perguntar sobre o seu significado (incluindo o sentido do título). É tal homem, vivendo em aparente isolamento na floresta, verdadeiramente livre? Claramente o "cinema de arte" minimalista de A Liberdade, não atraiu espectadores na Argentina - onde somente 2.500 espectadores - mas operou na definição de um padrão para toda a obra de Alonso, foi exibido em 15 salas na França!

O segundo longa de Alonso, Los Muertos [Os Mortos] (2004), é ainda mais ambíguo que o primeiro. Novamente, ele encontrou um não-ator, Antonio Vargas para interpretar o papel principal e usou a mesma equipe técnica de antes, mas com um orçamento (29 mil dólares) e um cronograma de filmagem de quatro semanas. Dessa vez houve muita menos conexão entre o ator (de acordo com Alonso, um pai amoroso de 24 crianças!) e o papel que interpretou, de um aparente assassino serial. O plano de abertura, um plano-sequencia que foi realizado como um filmete promocional para assegurar a complementação do financiamento, revelando dois corpos mortos, um machete e um braço carregando a arma. Posteriormente sabemos que "Vargas" havia matado seus dois irmãos, talvez para protegê-los de morrerem de fome, ainda que suas motivações permaneçam obscuras. Observamos seu último dia na prisão (filmado na mesma prisão onde o filho real de Vargas foi detido após matar um homem) e sua jornada de canoa para entregar uma carta para Maria, a filha de um companheiro de prisão. Ao final de sua jornada, quando ele visita sua filha e conhece seu neto, o público é deixado na dúvida se "Vargas" matará novamente.

Um dos apoiadores iniciais de Alonso foi "Quintín" (Eduardo Antín), o diretor do influente Buenos Aires Festival Internacional de Cine Independiente (BAFICI) desde os seus primórdios em 1999, e proporcionou a Os Mortos sua estreia mundial na sexta edição. Posteriormente, em 2004, exibiu-o em Cannes e ganhou prêmios no Festival de Cinema Latino-Americano de Lima , Festival do Cinema Jovem de Turim, Viennale e Yerevan (2005), assim como levando o Prêmio FIPRESCI no Festival de Karlov Vary, no mesmo ano. O filme seguinte de Alonso, o longa de reduzida metragem Fantasma (2006), apresentava Antonio Vargas visitando o cinema Leopoldo Lugones no centro cultural San Martín, em Buenos Aires, para assistir seu filme. Filmado integralmente em locação única, Fantasma não foi tão bem recebido como seus longas anteriores, mas com Liverpool (2008), considerado como a terceira parte da trilogia do "homem solitário", Alonso retornou à forma. Uma gelada Terra del Fuego substitui os ambientes subtropicais dos outros dois filmes e o protagonista, Farrel (Juan Fernández). Mas uma jornada enigmática se encontra no âmago da narrativa, e a figura solitária do homem é frequentemente filmada em planos-sequencias e isolado em paisagens distantes através de enquadramentos amplos. Primeiro vemos Farrell a bordo de uma embarcação que transporta conteineres, e suas primeiras palavras são para indagar o capitão sobre uma visita a sua mãe em terra. Ele não é visto portando chapéu ou luvas e nos indagamos sobre sua habilidade de sobreviver a viagem em um caminhão sem nenhuma coberta para uma serraria isolada. Sua mãe mais se assemelha a sua avó, e uma jovem, mentalmente instável, Analia, é aparentemente sua filha, talvez fruto de uma relação incestuosa. Ao final, quando Farrell desaparece nas brumas - estará voltando ao seu navio? Sobreviverá? - o único enigma é o do título: seu presente à Analia é um chaveiro "Liverpool", provável porto onde realizou sua mais recente viagem.

Liverpool teve sua estreia mundial em Cannes - todos os filmes da frouxa trilogia foram exibidos lá, e um outro indicativo do prestígio que seus filmes foram recebidos pela crítica, foi o lançamento de um box DVD com seus três primeiros filmes pelo Museo de Arte Latinoamericano de Buenos Aires (MALBA), em 2008. Alonso desde então realizou um curta de 23 minutos, Sin Titulo (Carta para [Alberto] Serra) (2011), no qual revisita a floresta e o riacho de seu primeiro filme, com Saavedra interpretando o papel de um caçador. Tensa (e em última instância falsa) expectativa é criada de um dos muitos cachorros que vemos, e talvez uma outra pessoa tenha sido baleada.

Texto: Rist, Peter H. Historical Dictionary of South American Cinema. Plymouth: Rowman & Littlefield, 2014, pp. 17-9. 

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