Filme do Dia: Presos em Flagrante (1994), Raymond Depardon
Presos em Flagrante (Délits Flagrants,França, 1994). Direção
e Rot. Original: Raymond Depardon. Fotografia: Nathalie Crédou. Montagem:
Camille Cotte, Roger Ikhlef & Georges-Henri Mauchant.
Surpreendidos aparentemente em
flagrante delito, como resume o título, esse documentário acompanha os diálogos
entre 14 acusados, seus advogados de defesa e os promotores públicos que
decidirão se os mesmos irão para corte ou serão libertos, com direito a responderem
na justiça em liberdade. Com câmera estática e planos que duram em média por
volta de dois minutos, sendo geralmente que, como no Primeiro Cinema, em que o
quadro, via de regra, acaba tendo uma função mais importante do que o plano em
si mesmo – tanto o é, que existem uns poucos cortes quase imperceptíveis durante
momentos das sessões filmadas. As exceções são os planos iniciais, sendo que um
deles apresenta O Palácio da Justiça parisiense por um minuto e meio e os
momentos em que os acusados são transportados ao longo de intermináveis
corredores. Dentre os momentos dignos de nota se encontram o que uma das
acusadas surpreende sua advogada de defesa ao afirmar que vendia drogas, o que
o advogado de defesa procura contornar a falta de objetividade de uma de suas
clientes, observando que faria mais sentido ela apresentar diante da corte a
versão proposta por ele, mais verossímil, do que as explicações demasiado
subjetivas verbalizadas por ela. Ou ainda quando um dos acusados, como boa
parte deles, de origem marroquina ou argelina, passa a olhar para a câmera e
fazer comentários irônicos. Porém, talvez o mais interessante de todos, seja a
acusada, mesma que havia sido instruída a não dizer a verdade por seu advogado
de defesa, indagada se havia concordado com a filmagem, responder a promotora
com outra indagação sobre se seu cabelo se encontrava apresentável e a
promotora responder que a filmagem seria para um documentário, “não para esse
tipo de filme no qual as pessoas se aprontam”. Esse momento e o da
interpelações do olhar irônico do outro acusado são praticamente as únicas
explicitações da presença do dispositivo de registro das imagens. O comentário
da moça se torna evocativo de que mesmo as filmagens que meramente seriam
apenas eventuais registros do real, desde os Lumière, passam a não sê-lo do mesmo
modo com a presença de uma câmera a flagrá-los, algo ainda mais patente em
ambientes fechados e relativamente pequenos como os apresentados nos encontros
entre profissionais da justiça e seus interpelados, para não falar de décadas
de utilização das imagens, inclusive documentais. Nesse último sentido,
interessante seria confrontar o filme de Depardon com as realizações do Cinema Direto, de Frederick Wiseman,
particularmente, que possui vários documentários centrados na justiça
norte-americana, alguns deles, inclusive, partindo, como aqui, basicamente de
entrevistas (como é o caso de Violência
Doméstica 2). Assim como o brasileiro Justiça, realizado no mesmo ano, de Maria Augusta Ramos. Ao
abdicar de um uso mais expressamente influente da montagem enquanto imperativo
que apresenta as instituições sociais como opressivas, como é o caso de Wiseman
(ao menos, em suas produções mais antigas), assim como de qualquer comentário
peculiar proveniente dos membros da produção, que não seja a cartela inicial
que define se tratar de uma seleção efetuada dentro uma quantidade bem mais
ampla de acusados que haviam acordado em serem filmados, o filme tampouco deixa
de centrar na montagem, o seu instrumento praticamente único, além do
posicionamento da câmera, de seleção e
comentário. Double D Copyright Films/La Sépt Cinema para Connaisance du Cinéma.
107 minutos.
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