Filme do Dia: Jane Eyre (1934), Christy Cabanne

 


Jane Eyre (EUA, 1934). Direção: Christy Cabanne. Rot. Adaptado: Adele Comandini, a partir do romance de Charlotte Brontë. Fotografia: Robert H.Planck. montagem: Carl Pierson. Com: Virginia Bruce, Colin Clive, Beryl Mercer, David Torrence, Aileen Pringle, Edith Fellows, John Rogers, Jean Darling, Claire Du Brey.

Criança (Darling), Jane Eyre é enviada pela tia, que não aguenta seu temperamento, a um orfanato. Ela aceita a decisão de bom grado. Quando adulta (Bruce), torna-se professora, porém sua intransigência em relação ao tratamento que é dispensado às crianças, como um dia fora a ela, pelo inflexível Sr.Brocklehurst (Torrence) lhe faz ser demitida. Ela se torna, então, preceptora de Adele (Fellows), sobrinha de Edward Rochester (Clive), o dono da casa de quem também se torna governanta. Uma atração imediata surge entre ambos, dissimulada por Edward, que se encontra em vias de se casar. Porém, mesmo com a plena satisfação de Adele e quase todos na residência, Eyre decide partir após conhecer a ex-mulher de Edward, Bertha (Du Brey), de quem conseguiu a anulação do casamento. Bertha é louca e era dela que Eyre escutava os risos, gritos e choros na madrugada. Completamente ensandecida, Bertha toco fogo na propriedade. Jane Eyre recebe uma proposta de casamento e a aceita, porém fica sabendo da tragédia ocorrida e da morte de Bertha, indo ao encontro de Edward, que se encontra cego e, a princípio, não parece disposto em tê-la novamente consigo.

          Se houvesse uma frase para definir tal produção, uma das várias adaptações do romance para o cinema (ao  menos dez, sendo metade produzida na época do cinema mudo e outro tanto de adaptações para a TV) essa seria “ausência de sutileza”. De fato os humildes valores de produção de uma companhia que se encontrava fora do cartel das grandes produtoras parecem ser uma demonstração brutal do quanto essa produção se distanciava do padrão que era realizado por aquelas em termos de apresentação visual e direção de atores, tornando esse filme, guardadas as devidas proporções, de certa forma não tão distante do que era produzido em países como o Brasil; para efeitos comparativos, algo perversos, pode-se compará-lo com a versão cinematográfica hoje talvez mais lembrada, a de 1943, com Orson Welles e Joan Fontaine. Produzido por uma companhia que, ainda assim, encontrou seu nicho mesmo após a passagem para o sonoro e produziu mais de quatrocentos filmes e distribuiu mais de 700, o filme apresenta momentos de franca hilaridade, como o que Jane Eyre antecipa a queda que levará a peralta Adele – aliás as atrizes mirins como a que vive o personagem de Adele, assim como a que encarna a protagonista criança merecem um destaque no descuido de suas interpretações, algo que felizmente o filme nos poupa ao não se deter demasiado no período do internato de Jane – ou ainda o que não pensa duas vezes em quebrar um valioso vaso para salvar Adele. Tal como encarnada por Virginia Bruce, a personagem de Eyre é um poço de indisfarçável ressentimento, que parece pronto a emergir a menor provocação, seja de quem for, incluindo o patrão tornado aspirante a marido. E não faltam clichês góticos que seriam reaproveitados na literatura e cinema contemporâneos, demonstrando serem duradouros, como o incêndio da propriedade igualmente por uma personagem desequilibrada, que também morrerá nele em Rebecca (1940), de Hitchcock  - em ambos os casos, mas sobretudo aqui, tal morte sinalizará para a possibilidade efetiva do surgimento de laços verdadeiramente sólidos com seus amados por parte de suas até então inseguras heroínas. Com todas as suas limitações, que não são poucas, os arroubos ocasionais – e igualmente modestos – de uma tentativa de apresentar fausto e glamour, como o do baile na mansão de Edward, assim como no plano visual, uma movimentação de câmera mais fluida para acompanhar os mesmos, não deixa de ser algo comovente. No plano sonoro, tampouco o filme apresenta-se segundo os modelos de seus colegas mais ricos, com uma trilha um tanto pífia e pouco articulada ou fomentadora do drama. Também se deve destacar sua diminuta metragem, que provoca certo estranhamento em relação a compressão de peripécias do romance em uma metragem mais próxima dos longas do cinema mudo. E é por essas e outras que o filme pode ser um exercício interessante de se pensar um cinema hollywoodiano à parte – algo que não escaparia a figuras como Godard, que dedicaria seu Acossado, justamente a produtora em questão, e os policiais baratos que produziu. Cabanne, é uma das poucas realizadoras do cinema mudo (passou a dirigir em 1912) que também manteve uma sólida carreira no sonoro, contando com extensa filmografia, quase toda em gêneros bastante populares, mesmo tendo iniciado mais próximo do documental (The Life of Villa, sobre os esforços do líder mexicano Pancho Villa de derrubar a ditadura de Porfirio Diaz no México). Destaque para a aberta vinculação ao livro não apenas, como era de se esperar, nos créditos iniciais, sob o formato de livro –como igualmente algumas passagens que fazem referências diretas a capítulos e páginas do livro, ambos recursos utilizados novamente na versão de 1943, nesse caso iniciando com o parágrafo inicial do livro, mas também apresentando outros trechos da obra. Monogram Pictures. 62 minutos.

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