Filme do Dia: O Nascimento de uma Nação (1915), D.W. Griffith
O Nascimento de uma
Nação (The Birth of a Nation, EUA,
1915). Direção: D.W.Griffith. Rot. Adaptado: D.W.Griffith, Frank E. Woods &
Thomas F. Dixon, baseado na peça The
Clansman e romance The Clansman: An
Historical Romance of the Ku Klux Klan e no romance The Leopard Spots, de Dixon. Fotografia: G.W.Bitzer. Música: Joseph
Carl Breil & D.W.Griffith. Montagem: D.W.Griffith, Joseph Henaberry, James
Smith, Rose Smith & Raoul Walsh. Cenografia: Frank Wortman. Figurinos: Robert Godstein. Com: Lilian Gish,
Mae Marsh, Elmer Clifton, Henry B. Walthall, Robert Harron, Mirian Cooper, Mary Alden, Ralph Lewis,
George Siegmann, Walter Long, Wallace
Reid, Joseph Henaberry.
Dois irmãos, Phil
(Clifton) e Tod (Harron) Stoneman visitam amigos na Carolina do Sul, os
Camerons. Porém, a amizade é afetada pela Guerra Civil que explode nos EUA em
meados do século XIX. Ao mesmo tempo que sofrem reveses com a guerra, ocorre o
assassinato de Lincoln (Henaberry) e o surgimento da Ku Klux Klan, para coibir
os excessos dos negros comandados pelo Senador Stoneman (Lewis), um
abolicionista que tem como vil estratégia colocar os negros do sul contra seus
patrões. Com o apoio de Gus (Long) e Silas Lynch (Siegmann), o Senador implanta
um verdadeiro regime do terror contra os
brancos, que são excluídos do direito de voto, violentados e mortos. A Ku Klux
Klan surge no último momento para reestabelecer a ordem.
Provavelmente deve
levar o título de mais reacionários de todos os filmes célebres do cinema, sendo considerado como o
marco do surgimento da linguagem cinematográfica clássica e influência direta
ou indireta para muito do que veio posteriormente, do universo de John Ford a
versão açucarada do conflito sulino em ...E O Vento Levou (1939), de Fleming. O filme explicita toda a neurose
paranoica com relação aos negros por parte dos setores mais conservadores americanos,
numa fantasia delirante que volta às costas para a história e antecipa uma
idealização perversa dos negros (interpretados por atores brancos como era
costume na época) descontando todo o ressentimento vivido no período da
escravidão. A aberta defesa pelo cineasta do universo sulista do pré-guerra é
demonstrado desde o início, pela simpatia e naturalidade dos Camerons, em
oposição ao artificialismo e arrogância dos Stoneman. Assim, quem acaba
incutindo o germe da discórdia é menos o sacrossanto Lincoln (mito
posteriormente recorrente no universo de Ford, sobretudo em A Mocidade de Lincoln), que foi poupado
desse ato “insano” por seu assassinato, que seu pérfido correlegionário, que
nem autenticamente abolicionista era. Como Lincoln era o único que poderia ter
cacife para realizar a difícil tarefa de integração nacional dos sulistas,
Stoneman, que efetivará tal mudança na prática, o fará por motivos muitos menos
generosos. À caricatura grosseira que são relegados os negros, que tem como
algumas de suas imagens mais marcantes, a bossalidade com que se apossam da câmara
estadual ou a representação da criada de Stoneman aqui não possui nada da
ambigüidade que Ford, ao menos em sua maturidade, retratará outros párias da
sociedade americana como os índios, apenas sendo dignos quando se submetem
fielmente aos senhores que os exploram. É tragicômico o temor que o cineasta
expressa diante da mera possibilidade, por exemplo, da criada de Stoneman se
dirigir aos convidados de seu patrão sem todos os servilismos de praxe ou de
Gus ter a presunção de sequer imaginar ter a filha de Stoneman em suas mãos.
Restam aos negros, portanto, as armas de uma violência figurada, no modo que a
criada ensaia não devolver o objeto ao amigo de seu patrão ou mesmo física,
como quando Gus tenta estuprar a virginal heroína, tão infantilizada e débil
física e psiquicamente como qualquer heroína griffthneana que se preze (e
vivida pela maravilhosa Lilian Gish, de longeva carreira). É interessante como
o filme desloca seu eixo de atenção para a questão racial, que acaba ganhando
um destaque bem maior que a própria guerra civil ou morte do presidente. O tom
reacionário do filme fez espécie mesmo quando de seu lançamento, provocando
protestos e quebra-quebras nos cinemas e sendo proibido em cidades de grande
porte. A celeuma foi tão grande que fez com que Griffith, no seu filme
seguinte, Intolerância (1916), buscasse retratar quatro exemplos de
intolerância em momentos históricos diferenciados. Possui várias versões, não
sendo essa a mais completa. National Film Registry em 1992. David W. Griffith
Corp./Epoch Producing Corp. 165 minutos.
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