Filme do Dia: Caméra d'Afrique (1983), Férid Boughedir

 


Caméra d’Afrique (Tunísia/França, 1983). Direção e Rot. Original: Férid Boughedir. Fotografia: Charly Meunies & Sékou Ouedraogo. Montagem: Andrée Davanture & Juliana Sanchéz.

Med Hondo, cineasta argelino, traz uma das melhores tiradas desse documentário  ao afirmar que na África  o cinema e as imagens do continente ainda estão “no estágio de desenvolver o subdesenvolvimento”. Já Souleymane Cissé, realizador malinense, afirma que a luta pela África e pelo cinema são uma única coisa. Cenas de seu Baara demonstra uma politização ainda mais acentuada que a de Sembene, com um grupo de operários carregando o cadáver de um companheiro morto até o choro de sua viúva, iniciando posteriormente uma revolta contra seus superiores, flagrada pela polícia. Nada adivinharia a partir dessa produção o crescente encantamento posterior do realizador por um cinema “dentro do mito”, tal e qual presente em seu filme mais famoso (Yeelen).  Amparado entre trechos de filmes célebres do cinema africano (O Carroceiro, A Negra de..., Xala, Ceddo, Touki Bouki, Muna Moto, La Chapelle, L’Exilé, Ajani Ogun, Djeli, Wend Kuuni, Finye), , depoimentos de seus realizadores e/ou roteiristas (além de Hondo, Sembene, Jean-Pierre Dikongue-Pipa, Safi Faye, Tahar Cheriaa, Souleymane Cisse, Ola Balogun) mais ilustres e uma narração over tradicional, celebra os 20 anos do cinema africano a partir do lançamento de O Carroceiro de Sembene. Grande destaque é dado aos dois únicos festivais até então existentes a lidarem com o cinema africano, sobretudo o FESPACO, bienal, local de troca de ideais entre realizadores do continente. O documentário apresenta tanto trocas informais, com Med Hondo discutindo com outro na grama, quanto discussões envolvendo os próprios realizadores, aqui sem a presença do emissário do governo francês que havia gerado tensão em outro debate apresentado anteriormente em outro evento.  Se o problema linguístico vem a ser evocado, a determinado momento, na fala de Sembene, que lembra que as identidades culturais africanas repousam mais nos grupos de identidade étnico-linguística que propriamente dos estados nacionais modernos, o próprio documentário efetua um recorte através do idioma que exclui toda a produção não realizada por países colonizados pela França, sendo esses justamente aqueles que obtiveram maior reconhecimento junto aos festivais internacionais, excluindo dessa narrativa os filmes produzidos por países colonizados por Portugual – meramente citados coletivamente, sem direito sequer a ter alguns de seus realizadores ou mesmo cartazes de filmes incluídos  em um determinado momento e Moçambique referido em outro como tendo nacionalizado a sua produção de documentários após a independêcia. O que também pode ser pensado em vinculação ao universo de produção, financiamento e conexões que esses realizadores possuem entre si. No caso do Reino Unido há cenas do filme Ajani Ogun, do nigeriano Ola Balogun. O colonialismo religioso é apresentado em duas cenas de dois filmes distintos: o do batismo na religião muçulmana, que inclusive impõe novos nomes aos seus batizados, em Ceddo e a repetição monocórdia de preceitos cristãos em La Chapelle (1980), de Jean-Michel Tchissoukou. Há um tributo ao então relativamente recente falecido Omarou Ganda, cineasta de L’Exilé, observado em uma seriedade melancólica em um plano por muitos segundos. Dikongue-Pipa se refere a necessidade de se criar não apenas uma forma estética nova, mas vias do cinema africano se tornar independente dos mecanismos de financiamento internacionais. Gaston Kaboré é observado em uma fala pública. Seu final, menos que um aceno de esperança futuro, apresenta uma fila grande esperando para assistir os invariáveis títulos do cinema europeu e norte-americano. Férid Boughedir/Mnistère de la Cooperation/Ministère des Affaires Étrangères et du Devolpment International/Satpec. 99 minutos.

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