Filme do Dia: 33 (2003), Kiko Goifman
33 (Brasil, 2003).
Direção: Kiko Goifman. Rot. Original: Kiko Goifman & Cláudia Priscilla.
Música: Tetine.
O cineasta
se propõe nesse documentário aos 33 anos, encontrar em 33 dias sua mãe
biológica. Parte de entrevistas com detetives profissionais até depoimentos dos
próprios familiares, da parteira e do médico que o trouxeram ao mundo, uma
cartomante, etc. Ao utilizar um motivo profundamente pessoal para ancorar sua
dramaturgia de forma consciente, enfatiza uma tendência recente na qual uma
realidade tipicamente documental é
estruturada em forma narrativa semelhante à ficcional. Tendência que não
escondem certo narcisismo – afinal motivos profundamente pessoais acabam sendo
compartilhados com todos os espectadores
- como é igualmente o caso, no
que diz respeito a uma certa vampirização de elementos da dramaturgia
ficcional, do contemporâneo Na Captura dos Friedmans e, mais particularmente de um caso de investigação pessoal da
cineasta, do brasileiro Passaporte
Húngaro. Nesse sentido, Goifman
procura se inspirar na estética do cinema noir,
seja na linha investigativa que o filme toma, na utilização do p&b, no jogo
de luzes e sombras, na diversidade de pontos de vista, presença da voz off (do próprio cineasta) a todo momento
e referências a mestres da literatura do gênero como Raymond Chandler, como
aliás essa influência já fora determinante em seu documentário anterior Morte Lenta, sobre assassinos. Com um
final anticlimático (de qualquer forma, o cineasta já antecipara que não
queria apresentar a “clássica” cena do reencontro, excessivamente melodramática
para seu gosto) que se contrapõe a previsão de uma cartomante, delimitando bem
nesse momento os limites entre a ficção e o documentário (geralmente na ficção
personagens de cartomantes são oráculos na melhor acepção grega de
dramaturgia), o filme torna-se presa de sua própria escolha. Ao contrapor seu
modelo ficcional com a bem distante realidade brasileira, evidenciado,
sobretudo, na precariedade dos detetives que colaboram com a produção, não há
como não se sentir nostálgico de um modelo documental investigativo menos
propenso aos jogos intertextuais, que acabam resultando tão vazios quanto a
própria procura do cineasta, como é o caso do clássico Cabra Marcado para Morrer (1984), de Coutinho, onde nenhum
simulacro barato de ficção pode ser mais instigante que a presença de fatos
político-sociais mais amplos interagindo com a memória dos indivíduos. Nesse
sentido, sua engenhosidade narrativa – a certo momento observamos uma matéria
de televisão na qual o próprio cineasta expõe a proposta de seu documentário,
sendo assistida pelo documentarista e sua mãe adotiva – e seu jogo de
espelhamentos são vítimas, em última instância, de um formalismo inócuo. 75 minutos.
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