Filme do Dia: Inferninho (2018), Pedro Diógenes & Guto Parente


Inferninho - Filme 2018 - AdoroCinema
Inferninho (Brasil, 2018). Direção: Pedro Diógenes & Guto Parente. Rot. Original: Pedro Diogénes, Rafael Martins & Guto Parente. Fotografia: Victor di Melo. Música: Vítor Colares & Felipe Lima. Montagem: Victor Costa Lopes. Dir. de arte: Taís Augusto. Cenografia: Ramirez Gurgel & Daniel Muskito. Figurinos: Filipe Arara & Isaac Bento. Com: Yuri Yamamoto, Demick Lopes, Samya De Lavor, Rafael Martins, Tatiana Amorim, Galba Nogueira, Pedro Domingues, Gustavo Lopes, Paulo Es.
Deusimar (Yamamoto) é um dona de um clube decadente, Inferninho, que toca junto com um fiel séquito de auxiliares e também frequentadores. Certo dia chega, de origem desconhecida, um marinheiro chamado Jarbas (Lopes) e uma paixão à primeira vista emerge, assim como tensões no grupo. Depois de um tempo aparece no local Salvador (Nogueira), com a proposta de comprar o mesmo por valores acima do mercado. Deusimar se encanta com a quantia, mas Jarbas escorraça Salvador do local. Jarbas, por sua vez, encontra-se pressionado por dívidas que contraiu no passado. Ele parte. Deusimar vende o local, que há três gerações pertencia a sua família, efetuando um trato com Salvador para que pague apenas metade da quantia, mas em dinheiro vivo e imediatamente. Trato feito, Deusimar paga a todos e fica sem um tostão, provocando inquietações na cantora Luizianne (De Lavor), no músico Richard (Ess) e, sobretudo, no Coelho (Martins), o mas revoltado de todos com sua decisão. Quando todos partem, Deusimar se encontra no momento de dar cabo de sua vida, quando o Coelho reaparece e lhe fala o que pensa sobre ela.
Irregular, consegue tirar partido até mesmo de sua irregularidade como artifício nunca completa ou facilmente entregue ao deboche. As interpretações podem ocasionalmente, por exemplo, deixar a desejar, mas o canto algo desafinado de Lavor traduz bem uma estratégia que abraça o risco como poucas no panorama brasileiro contemporâneo a sua produção. Distante do realismo mimético, satisfeito com os próprios cenários limitados do Inferninho, e seus clientes toscamente vestidos de super-heróis, o filme trabalha com várias possibilidades de leituras por vezes de intenções aparentemente alegóricas (o Inferninho podendo ser apreciado enquanto a resistência cultural contra os explicitamente torpes tempos de mendacidade institucionalizada, inclusive cultural; o espaço será demolido para virar um estacionamento para 7 mil veículos de um grande centro cultural virtual), passando por uma única referência direta ao momento político que foi gestado (“delação premiada”) e podendo igualmente evocar uma tradição de várias gerações sendo posta em xeque enquanto medo fóbico do desconhecido, representado pelo próprio mundo no caso de Deusimar e a comodidade de remoer seus ressentimentos e certezas, o que talvez pudesse valer para todos os espectros políticos possíveis. Ao invés de trazer exatamente soluções para os desafios enfrentados, o filme apresenta saídas oníricas que remetem a uma fantasia escapista que bem poderia se chamar cinema – com C maísculo de também significar comercial – através de interessantes efeitos de verdadeira imersão nas imagens (na primeira “viagem”, Nova York, na segunda vários locais turísticos icônicos do Egito, Arábia, Londres, Paris). Sua solução final também pode ser lida sobre a chave da inteligência, deixando quase a critério do espectador crer numa reencarnação de Deusimar e também apostar sua empatia no discurso um tanto melodramático do Coelho que tudo depende apenas da própria personagem, do tipo “o mundo é o que lhe parece”, e para parecer diferente você terá que ter uma postura diversa diante dele próprio e de si. A criação de um “universo” a partir de tão pouco em termos de cenários também pode ser lida como um engajamento de fortes vínculos teatrais que apenas se somam a proposta em questão. Yamamoto encarna seu travesti com garra e sem estereotipia e tampouco suavização do tipo. Sua acesa crítica a um mundo crescentemente corporativo em todas as esferas soa menos empostada que a de Kléber Mendonça (Aquarius) até por também se encontrar presente na própria modéstia de sua produção.  Lopes talvez seja menos feliz em sua encarnação do marinheiro. Galba Nogueira vivencia o personagem característico na medida e Martins e De Lavor conseguem quase sempre se equilibrir na corda entre falas realistas e situações nem tanto. O filme tende a crescer após um início algo desapontador que pode afastar espectadores desavisados. Bagaceira/Marrevolto/Tardo Filmes/Tardo. 82 minutos.

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