Filme do Dia: Marvin (2017), Anne Fontaine


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Marvin (Marvin ou la Bélle Education, França, 2017). Direção: Anne Fontaine. Rot. Original: Pierre Trividic & Anne Fontaine. Fotografia: Yves Angelo. Montagem: Annette Dutertre. Dir. de arte: Emmanuel de Chauvigni. Figurinos: Elise Ancion. Com: Finnegan Oldfield, Grégory Gadebois, Vincent Macaigne, Catherine Salée, Jules Porier, Catherine Mouchet, Charles Berling, Isabelle Huppert.
Marvin Bijoux (Porier) é um garoto continuamente vítima de abusos escolares de garotos mais velhos. Em casa, a situação tampouco é fácil, com um pai, Dany (Gadebois) entregue à bebida, uma mãe, Odile (Salée) nenhum pouco preocupada com seu futuro, e um meio-irmão ocasionalmente agressivo. A nova diretora da escola, a Senhora Clément (Mouchet) lhe chama para participar do grupo teatral escolar. Depois lhe sugere participar de uma seleção para uma escola de arte dramática. Ele participa da mesma e só depois, casualmente, fica sabendo por Clément que havia sido selecionado e sua família lhe escondera a carta. Já na escola de arte dramática, Marvin (Oldfield) se emociona e identificará com a fala de Abel (Macaigne), diretor de teatro que fala da opressão e isolamento, inclusive com relação a própria família, que sentiu por sua condição homossexual. Bijoux se relacionará com o rico e influente Roland (Berling), que lhe apresenta numa festa a atriz Isabelle Huppert (Huppert). Tempos depois, Roland morrerá em um acidente e Huppert lhe procura. Ele se apresenta rapidamente para ela e ela lhe pede para ler o texto. Bijoux, que agora entra com um processo na justiça para se chamar Martin Clément, apresenta-o e uma montagem teatral é feita no qual ele contracena com a atriz. E também tem o seu texto publicado.  Ao ganhar destaque na mídia, o caráter autobiográfico e nada laudatório da família em que foi criado lhe provoca tensões familiares. Ainda assim, Martin resolve enfrentar tais tensões, reencontrando os pais, hoje separados.
Não são poucos os méritos dessa produção. Se é verdade que nem de longe o filme possui o rigor da encenação que de uma história bastante similar fez Terence Davies em seu curtas de estreia Children e Madonna and Child, e mesmo chegue a flertar brevemente com o universo de um cinema queer francês mais senso comum, com o tema musical meloso que se insinua a determinado momento, afasta-se bastante da trivialidade habitual dos retratos produzidos por esse para um drama mais ambivalente, maduro e apenas paradoxalmente catártico. Se é verdade que Marvin consegue, as custas da celebridade recém-conquistada, enfrentar fantasmas de seu passado, o filme muito perspicazmente evita as traiçoeiras e abomináveis histórias de superação grandiosas como somente Hollywood sabe fazer. Nesse sentido, Marvin continua portador de impassibilidades que traem um passado demasiado sofrido para ser exorcizado de todo. Não apenas ele não estabelece uma relação equivalente a de um casamento ao ponto de anuncia-la ao pai ou mesmo pretender algo do tipo, lembrando-lhe da própria união infeliz desse com sua mãe, como tampouco se sabe se conseguirá articular de fato uma carreira, pois afirma diante de Huppert que não sabe representar outro que a si próprio e não vivenciar os mais diversos personagens como ela afirma que um ator deve fazê-lo. E o mesmo talvez valha para a arte da escrita, demasiado calcada em sua própria vivência – embora o filme tampouco deixe de esboçar que os momentos não  consecutivos da trajetória do personagem, e o vai e volta de situações diversas (tal como Davies já fizera em seus curtas) não necessariamente ocorreram dessa forma, e o que presenciamos seria menos o “passado tal e qual”, mas já uma representação da narrativa escrita por Marvin. Pode-se encontrar alguma similaridade entre um personagem que trafega entre dois universos de códigos culturais completamente distintos, e cujo afastamento do primeiro, de ambiente proletário, através de uma obra artística de cunho autobiográfico com a literatura de uma Elena Ferrante, embora aqui muito pouco se tem dos personagens que o rodeiam, sendo o pai, observado apenas caricatamente ao início, uma bem vinda exceção, assim como a interpretação de Gadebois. E se é verdade que a relação com o pai surge bem mais tranquila ao final, isso não significa que barreiras, inclusive emocionais, continuem a subsistir, como é o caso da dificuldade no momento da escrita da dedicatória ao pai e, por fim, de não tê-lo trazido o livro. Ao que esse, por sua vez, com um pragmatismo que tampouco pode também trazer algo de ressentido, que poderá ser baixado pela internet depois. Embora o filme não problematize tal questão, ao menos com maiores pistas aparentes, o sucesso de Martin se encontra associado a Marvin, e portanto a todas as misérias de sua vida pregressa e a sua própria família. Portanto, ironicamente o que provocou um aparentemente mais definitivo distanciamento e independência econômica da família e a memória da mesma e dos episódios que vivenciou quando se encontrava morando com ela.  A fotografia de Angelo, ele próprio cineasta, igualmente consegue se resguardar dos excessos, tal como os dois atores que vivenciam Marvin. Boa surpresa em se tratando de uma realizadora que parecia demasiada encantada com a narrativa que lidava e os jogos de reflexividade mais que com seus personagens, ao contrário daqui, em seu Gemma Bovary. Aqui, a montagem se identifica claramente com a percepção de que vivemos no momento presente com várias outras temporalidades distintas e o consegue fazê-lo de forma ocasionalmente menos esquemática que Davies. P.A.S Productions/Ciné@/F Comme Film/Mars Films/France 2 Cinéma/Drize Holding. 115 minutos.


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