Filme do Dia: Jean Cocteau: Autoportrait d'un Inconnu (1985), Edgardo Cozarinsky
Jean Cocteau: Autoportrait d’un
Inconnu (França, 1985). Direção: Edgardo Cozarinsky.
Se o objetivo do documentário de
Cozarinsky, realizador argentino de carreira dividida entre o documentário e a
ficção (Ronda Noturna) foi o
completo apagamento de si diante do seu objeto-tema, conseguiu-o. O filme de
fato não apresenta nenhuma pista de sua própria estruturação, centrando-se
única e exclusivamente em imagens de arquivo de entrevistas de Cocteau, de
algumas aparições públicas suas e de filmes (de Cocteau, baseados nele ou que
ele cita). Não é uma obra exatamente criativa, nesse aspecto e bastante
prisioneira de seu personagem, o que não seria um problema em se tratando de um
autorretrato. Esse é observado a divagar um pouco sobre tudo. Da inocência
técnica de O Sangue de um Poeta ao
período em que foi mentor daquele que diz ter amado como um filho, o poeta e
romancista Raymond Radiguet, morto aos 20 anos. Das ilustrações que acompanham
a capela que decorou a talvez mais bela reverse motion da história do cinema. Do
convívio com as celebridades de seu tempo às honrarias da maturidade passando
por sua experiência na I Guerra Mundial. É quase praticamente uma ilustração da
fala de Cocteau do início ao final, buscando imagens de apoio para diversos
motivos, pessoas e temas citados pelo realizador em um trabalho de garimpagem
provavelmente extenso. A impressão final, no entanto, independente do gênero
documental ao qual se filia é que mesmo louvável em seu didatismo se torna
vítima de um culto ao gênio artístico, que Cocteau já apresentara em sua
própria produção e, em decorrência disso, torna-se algo asfixiante se encontrar
brechas para respirar diante de tanta auto-refer(v)ência e/ou condescendência.
Cocteau, evidentemente, não deixa de citar seus inúmeros amigos célebres com
quem teve proximidade como Picasso, a quem certamente deve algo mais além da
amizade, já que muito de seu próprio estilo, mesmo com características autorais
acentuadas, parece herdeiro dos princípios daquele ou Coco Channel, Eric Satie,
Stravinski, etc. ou de citar seus encontros (devidamente referendado pelas
imagens) com Chaplin ou Dali – Jean Renoir é observado com ele noutro momento.
Dito isso, tampouco se pode deixar de delegar certa simpatia por um personagem
não destituído de carisma, inclusive quando desfia lugares-comuns sobre a
ausência de ciúme e rivalidade com as pessoas que conviveu e sua opção por amar
e desejar ser amado pelos outros. Sua concepção de arte e, sobretudo, do
artista pode soar algo anacrônica, e pior que isso encarnada, evidentemente por
ninguém que ele próprio (como testemunha O
Testamento de Orfeu) e seu amor pela mitologia diante da história, que por
viés diferenciado também terá seus efeitos em outro realizador iconoclasta,
Pasolini, constante. 66 minutos.
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