Filme do Dia: Raymundo (2003), Ernesto Ardito & Virna Molina
Raymundo (Argentina, 2003). Direção, Rot. Original e Montagem: Ernesto Ardito
& Virna Molina. Fotografia: Ernesto Ardito, Virna Molina & Sebastián
Díaz.
Documentário que apresenta a trajetória
pessoal e, sobretudo, profissional de Raymundo Gleyzer, cineasta radical que se
tornará desaparecido político do regime ditatorial argentino em 1976. Talvez
poucas personagens do cinema se confundam tanto com os eventos políticos
vividos não somente por seu país, quanto da própria América Latina em uma década
de efervescência quanto Gleyzer. Igualmente na Argentina é um dos câmeras do
clássico La Hora de Los Hornos. Das
virgens de imagens argentinas Malvinas, ou melhor, Falklands, de domínio
britânico à Cuba pós-Fidel que recebe um jornalista argentino (Gleyzer) pela
primeira vez em três anos. Para não falar do Brasil, onde Gleyzer praticamente
inicia sua carreira com filme que é interrompido com o golpe militar de 1964 ou
o Chile de Allende, assim como do México da Revolução dos idos do século XX,
tema de um dos filmes de Gleyzer. Algo como um Che Guevara do documentário,
Gleyzer consegue o improvável, a partir de seu carisma, como flagrar cenas do
cotidiano de um casal britânico nas Malvinas. O documentário de Ardito &
Molina faz uso de generosos trechos seja de filmes do realizador, de filmes
semelhantes produzidos na Argentina, cinejornais do período ou filmagens de
bastidores. O áudio dos relativamente
poucos depoentes muitas vezes são flagrados a partir de tais imagens. Por vezes
tais interferências sonoras demonstram ser um desserviço para com a própria
obra do homenageado. Trata-se, exemplo mais clamoroso, de uma longa sequência,
em Nuestras Islas Malvinas, que
flagra o cotidiano da comunidade britânica, ao qual os documentaristas
sobrepõem na banda sonora Piggies,
dos Beatles, numa ausência de sutileza que se contrapõe ao talento de Gleyzer,
cujas imagens, dada a sua ambiguidade, podem ser lidas tanto enquanto mera
crônica de uma realidade quanto irônicas, mas sem nunca afetar ou agredir
individualmente seus fotografados, como aqui posto, inclusive no mau gosto de
associar as imagens das crianças com as dos “porquinhos” aos quais faz
referência a canção. Uma coisa é que tal sugestão brote da própria sequência de
imagens. Outra bem diversa é já propor antecipadamente de bandeja como tais
imagens “devem ser lidas”, reduzindo-as à mera ilustração de uma idéia de
dominação que associa referências que vão além da música (A Revolução dos Bichos, de Orwell, por exemplo). A narração que faz
as vezes do próprio cineasta, a partir de anotações suas, é feita por seu filho
Diego. E acompanha o contexto político argentino com a mesma ou maior atenção,
sobretudo da metade ao final, que a trajetória do próprio Gleyzer. O retorno de Peron à Argentina, inicialmente
saudado como o fim da repressão, logo demonstra ser uma continuidade/conivência
com a repressão e logo após sua morte, o governo de Isabelita é destituído e o
país vivencia o verdadeiro caos. Raymundo é sequestrado e morto então, ao sair
de uma entidade associada aos realizadores cinematográficos. Ao final, o filme inevitavelmente
se torna demasiado emocional, com discursos emocionados como o da
norte-americana filha do homem que abrigou a mulher de Gleyzer e seu filho no
exílio nova-iorquino. 127 minutos.
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